1983: após uma série de 3 discos de temática gospel e vendas fracas, Bob Dylan se une a Mark Knopfler e lança Infidels, para mim (e muita gente boa), seu melhor álbum desde Desire (1976).
1989: após uma série de 3 discos de um flerte mal-sucedido com o pop (e de vendas fracas), Dylan se une a Daniel Lanois e lança Oh Mercy, seu melhor álbum desde Infidels (e para muita gente boa seu melhor álbum desde Blood on the Tracks de 1975).

Oh Mercy é sem dúvidas uma espécie de “volta” de quem nunca se foi: um disco noturno, o mais bluesy-rock de Bob Dylan desde o citado Infidels (talvez até mais do que este).
O álbum abre com o country rock Political World e sua constatação dos crimes perpetrados pelo Estado e seus agentes, sempre em nome de “algo maior”, “o bem comum”, a fachada do desengajamento moral para o cometimento de quaisquer crimes sem rosto:
We live in a political world
Love don’t have any place
We’re living in times
Where men commit crimes
And crime don’t have any face
As duas faixas seguintes, Where Teardrops Fall e Everything Is Broken mantém o uptempo mais voltado ao swamp rock à la John Fogerty e a temática de declínio sociocultural, enquanto Ring Them Bells, é um número de influência gospel na sonoridade, com seu órgão e a onipresente guitarra com tremolo. As guitarras são um capítulo à parte, posto que, assim como Mark Knopfler, Lanois é um entusiasta deste instrumento em primeiro plano, caracterizado em Oh Mercy por distorções e efeitos de ambiência e tempo, como delays, reverbs e tremolos.
O disco segue com Most of the Time, minha predileta do álbum, e um dos melhores momentos deste, com Dylan em meio às camadas de guitarras distorcidamente distantes e imersas em reverb escrevendo em fluxo de consciência sobre a relação entre o necessário continuar da vida após um término e a ocasional lembrança do que foi (ou a ideia do que poderia ter sido), com o narrador se sentindo bem “a maior parte do tempo”, ou seja, “nem sempre”:
Most of the time
My head is on straight
Most of the time
I’m strong enough not to hate
I don’t build up illusion
‘Til it makes me sick
I ain’t afraid of confusion
No matter how thick
I can smile in the face of mankind
Don’t even remember
What her lips felt like on mine
Most of the time
What Good I am e Disease of Conceit continuam em reflexões sobre as relações humanas de maneira mais genérica, autocrítica até, em versos como:
What good am I if I’m like all the rest
If I just turned away, when I see how you’re dressed
If I shut myself off so I can’t hear you cry
What good am I?
What Was It You Wanted e Shooting Star fecham o álbum retornando ao clima Americana proposto desde o início: ritmos mais para frente ainda que moderados, guitarras e tremolos, a ambiência por vezes sulista por vezes desértica do meio oeste norte-americano. Música urbana, mas ainda com um pé em alguma raiz que diretamente não conhecemos, apenas nos sabemos culturalmente devedores.
Enfim, Oh Mercy não é erradamente classificado como um dos melhores álbuns na enorme discografia de Bob Dylan (e que seria igualado apenas em 1997 com o também excepcional Time Out of Mind, produzido, assim como Oh Mercy, por Daniel Lanois).
Track List:
- Political World
- Where Teardrops Fall
- Everything is Broken
- Ring Them Bells
- The Man in the Long Black Coat
- Most of the Time
- What Good Am I
- Disease of Conceit
- What Was It You Wanted
- Shooting Star
Formação:
Bob Dylan- vocais, guitarra, harmonica, piano, orgão
Malcolm Burn- tambourine, teclados (faixas 3-7 e 9)
Willie Green- bateria (faixas 1,3,6,8,9 e 10)
Tony Hall- baixo (faixas 1,3,6,8 e 10)
John Hart- saxofone (faixa 2)
Larry Jolivet- baixo (faixa 2)
Daniel Lanois- Dobro, steel guitar, baixo, omnichord (exceto faixa 8), guitarras (faixa 6)
Cyril Neville- percussão (faixas 1, 6 e 9)
Alton Rubin Jr.- scratchboard (faixa 2)
Mason Ruffner- guitarra (faixas 1, 8 e 9)
Brian Stoltz- guitarra (faixas 3, 8 e 10)
Paul Senegal- guitarra (faixa 2)