Sebastián Domínguez Lozano é o nome de batismo do pianista espanhol Chano Domínguez. Oriundo da banda de rock progressivo andaluz Cai, com a qual lançou 3 discos entre 1978 e 1980, se dedicando na sequência ao jazz, é, até onde sei, o grande artífice e intérprete do que se chama de flamenco jazz: uma mistura do estilo e sonoridades flamencas com hard bop. Com mais de 20 discos no currículo, e com todos oferecendo material de alta qualidade, um bom começo seria o seu primeiro álbum solo, Chano (1992).

Abrindo com Refrito, o ouvinte já tem uma amostra do que se trata: ritmos flamencos, harmonias por vezes estáticas (modais), por vezes moventes, mas sempre sofisticadas sobrepostas por improvisos virtuosísticos que mesclam a sonoridade hard bop a escalas frígias tipicamente associadas ao estilo espanhol. Uma mistura estética inusitada mas capaz de em instantes evocar imagens urbanas e na sequência pastorais. O clássico de Coltrane vem na sequência, Naima, onde acordes de sonoridade ampla e aberta são acompanhados apenas por um ritmo discreto e pelo baixo acústico (cujo solo aliás é extremamente marcante). El Toro Y La Luna, a famosa canção tradicional flamenca que conta a estória de um touro que se apaixona pela lua, correndo atrás de seu reflexo nas águas noturnas do rio sem nunca alcançá-la, aparece aqui em uma versão que remete ao Bill Evans Trio da fase clássica de 1961/63. Pa Mi Nino é uma composição dividida em 2 partes, sendo que a primeira, uma balada que em minha viagem totalmente pessoal e intransferível para além desta frase, me remete à imagem de um Dom Quixote chegando próximo aos moinhos… sendo uma música inspirada por uma criança é de se esperar sonoridades simples mas evocativas – vai entender, semiótica na veia… Mr C.I. mantém a fórmula básica do álbum e do estilo de Chano: bop no ritmo e estrutura + flamenco em “cores” por vezes ocasionais, por vezes dominantes. Marea Alta e La Tarara são outras 2 composições próprias que não desviam da fórmula mas diminuem um pouco o andamento, trazendo mais da interação rítmica do trio em convenções e arranjos mais complexos. Chano encerra com versões de 2 das maiores influências de Domínguez: Thelonious Monk e Bill Evans, em Well You Needn’t e Time Remembered respectivamente. Na primeira temos os ritmos flamencos com palmas e batidas dos pés se mesclando perfeitamente à angularidade “Monkiana” – o solo de baixo aqui, sobre uma progressão malagueña é espetacular, enquanto a segunda é uma peça de piano solo que demonstra que Chano assimilou bem as lições daquela que suponho ser sua maior influência.

Chano é um disco essencial por não apenas ser uma mistura convincente de ritmos aparentemente díspares, como por não cair na armadilha fácil das caricaturas culturais, análogo musical do “mexido da madrugada”, onde um sujeito esfomeado mistura repolho com macarrão e farinha, gerando uma “lavagem” estilística onde apenas se reconhecem traços do que aquilo fora antes. Aqui temos algo deliciosamente bem feito.
Tracklist:
- Refrito
- Naima
- Choricli Jul
- Pa Mi Niño. Parte 1
- Pa Mi Niño. Parte 2
- El Toro y la Luna
- Mr. C. I.
- Marea Alta
- Well You Needn’t
- La Tarara
- El Estero
- Time Remembered
Formação:
Baixo acústico – Javier Colina, Manuel Calleja (tracks: 7)
Bateria – Guillermo McGill
Baixo elétrico – Carles Benavent (tracks: 4-5), Marcelo Fuentes (tracks: 11)
Flauta – Jorge Pardo (tracks: 4-5)
Guitarra – Agustín Carbonell (tracks: 3)
Palmas – Joaquín Grilo (tracks: 1-9-11)
Percussão – Tino Di Geraldo (tracks: 11)
Piano – Chano Domínguez
Produção – Manuel Sanjurjo
Sax Soprano – Jorge Pardo (tracks: 4-5)
Tabla – Tino Di Geraldo (tracks: 2-8)