Em 1977, os músicos presentes a uma sessão de gravação num estúdio carioca foram surpreendidos pelo fato de que aquela não era uma sessão de gravação comum como estavam acostumados a fazer frequentemente. Quem saiu da sala de espera e entrou no estúdio não foi um artista nacional popular nem tampouco um desconhecido – nova aposta de alguma gravadora, mas sim a cantora Sarah Vaughan, considerada a “Divine One” do jazz, com uma carreira que remontava a 1944… dessas sessões saiu o clássico álbum I Love Brazil! Composto apenas por músicas brasileiras e participações de Tom Jobim, Milton Nascimento e Dorival Caymmi. Aquele repertório deu tão certo que 2 anos depois Sarah retorna e grava seu segundo álbum “brasileiro”, acompanhada por alguns dos músicos daquela primeira sessão a pedido dela própria, em especial o guitarrista Hélio Delmiro, peça fundamental da sonoridade do álbum.

Copacabana abre com a faixa título já trazendo um bom destaque para o violão e solo jazzístico de Hélio (aqui cabe um parêntese corretivo: o músico Ed Motta teria dito que o primeiro solo de guitarra no idioma jazzístico gravado no Brasil teria sido de Hélio Delmiro no álbum anterior de Sarah, o citado I Love Brazil!, mas eu discordo: provavelmente este primeiro solo no idioma jazzístico registrado em disco deve ter sido do próprio Hélio, mas gravado 10 anos antes (1969), no álbum Toca Antonio Carlos Jobim de Vitor Assis Brasil, na faixa Só Tinha de Ser com Você). A segunda faixa mantém o interesse com The Smiling Hour (Abre Alas), de Ivan Lins, trazendo outro solo memorável de Delmiro e a percussão remetendo à escola de samba e Sarah duetando tanto com a guitarra quanto com a cuíca. Dreamer (Vivo Sonhando), composição de Jobim, traz um dos melhores solos de Hélio, solo esse que sou capaz de cantar mesmo sem escutar essa faixa há 10 anos (e aqui cabe um outro parênteses musical: um bom solo é aquele que, independentemente do nível técnico do solista permanece na memória do ouvinte – todo o resto, ainda que possa ser tecnicamente admirável, se não permanece na memória do ouvinte e mesmo do músico não passa de um balbuciar de delírios esquizofrênicos aleatórios). Aliás a faixa conclui com um dueto de pergunta e resposta entre a guitarra e a voz (coisa relativamente rara nos discos de Sarah). Gentle Rain, composição de Luiz Bonfá (1965), traz um belo dueto entre a voz de Vaughan e o violão de Hélio. Tetê é outra peça de quarteto com destaque para a guitarra, enquanto Dindi traz novamente violão e voz na intro, seguidos por overdubs de baixo acústico e guitarra. Outro belíssimo e simples arranjo de Edson Frederico para quarteto é entregue em Double Rainbow (Chovendo na Roseira), enquanto Bonita fecha o álbum com outra peça de voz e violão na intro, com Hélio recriando e sofisticando as já emaranhadas harmonias de Tom Jobim, deixando novas pistas a serem preenchidas pelas blue notes de Sarah.

Há 2 semanas morreu Hélio Delmiro. Este álbum é essencial não apenas pela qualidade excepcional, mas também por ter sido a carta de apresentação de um dos melhores instrumentistas brasileiros ao mundo, feita por vontade de uma das maiores cantoras do mundo. Segundo relato do próprio Hélio (parafraseado):
“Fomos escutar o resultado da gravação no aquário… ela pediu para o produtor me dizer pra eu me “soltar” e tocar mais (…) Gravamos de novo e fomos ouvir o resultado. Ela vira para o produtor e diz: ‘Ele ainda não entendeu: diga para ele se soltar e tocar mais. Tudo isto que está acontecendo aqui hoje está acontecendo por causa dele…”
Hélio Delmiro 20/05/1947 | 16/06/2025
Track list:
01 – Copacabana [Alberto Ribeiro-Joao de Barro]
02 – The Smiling Hour (Abre Alas) [Ivan Lins-Louis Oliveira-Vitor Martins]
03 – To Say Goodbye (Pra Dizer Adeus) [Lani Hall-Lobo-Torquato Neto]
04 – Dreamer (Vivo Sonhando) [Antonio Carlos Jobim-Gene Lees]
05 – Gentle Rain [Luiz Bonfá-Matt Dubey]
06 – Tete [Ray Gilbert-Roberto Menescal-Ronaldo Bôscoli]
07 – Dindi [Antonio Carlos Jobim-Ray Gilbert]
08 – Double Rainbow (Chovendo na Roseira) [Antonio Carlos Jobim-Gene Lees]
09 – Bonita [Antonio Carlos Jobim-Ray Gilbert]
Formação:
Sarah Vaughan: vocais
Hélio Delmiro: Guitarra
Andy Simpkins: Baixo
Wilson Das Neves, Grady Tate: Percussão
Edson Frederico: Piano e Arranjos