Duas grandes questões se colocam na prática escolar: uma referente ao conteúdo a ser trabalhado e outra acerca da metodologia a ser empregada. Quanto à primeira, observemos que há em qualquer disciplina determinados conteúdos didáticos cuja justificativa é, honestamente, tarefa nada fácil. Os próprios alunos percebem essa dificuldade – com certa inércia, é verdade – quando formulam perguntas tais como “para que estudar função logarítmica?”, “por que estudar a geologia da África?”, “de que me serve decorar as nomenclaturas de classificação do período composto?”, e assim por diante. No que toca à segunda questão, são as concepções psicológicas, pedagógicas e sociais, sobretudo aquelas implícitas, não científicas, derivadas da inclinação subjetiva e da experiência pessoal dos professores e demais envolvidos no processo educacional, que parecem determinar a escolha e o êxito no emprego de um ou outro método de condução das aulas, de elaboração dos testes, de controle disciplinar, etc.
A resposta à questão sobre a inserção obrigatória da Filosofia na educação básica necessita de um fundamento justificativo que demonstre, com considerável clareza, que os conteúdos e métodos empregados podem trazer benefícios à formação dos alunos. Acredito que podem. Mas friso: podem contribuir. O certo é que precisamos, talvez mais do que nunca, em toda a história, de soluções para o caos social em que vivemos – e que parece se agravar diariamente – e para as absurdas contradições que permeiam as relações dos humanos uns com os outros, com a natureza, os animais, a cultura, a economia, o poder e a vaidade. Para alcançar tais soluções, acredito justo o esforço em torno da educação, afinal, temos que começar de algum lugar e, sobretudo, é preciso tentar.
Mas por que a recorrer ao auxílio da Filosofia? Apresento três razões. Primeiramente, creio que a Filosofia, no âmbito escolar, pode ser assimilada e vivenciada como um exercício reflexivo de posicionamentos intelectuais perante determinados temas. De fato, todas as nossas relações com as coisas, com os fatos e com os outros envolvem certas posturas afetivas e cognitivas, as quais contribuem na prática para o estabelecimento do perfil ético e intelectual de cada um de nós. O quanto já as submetemos à ponderação e à crítica, claramente, varia entre graus diversos. Mas reconhecer essas posturas, ter consciência delas, poder identificá-las como possibilidades entre outras possibilidades, ser capaz de identificar e avaliar seus fundamentos, seus pressupostos, suas conseqüências e os valores que lhes norteiam são vivências próprias do exercício filosófico genuíno. Assim, por esse prisma, considero bom podermos contar, na escola, com a disciplina “Filosofia”, como um espaço que tente propiciar aos alunos experiências dessa natureza.
Em segundo lugar, a Filosofia pode nos conferir uma espécie de “aparato simbólico” ou de “caixa de ferramentas conceituais” mediante as quais lidamos melhor com nossas experiências, posto que nos oferece, por meio de seu exercício e conhecimento, apoios lingüísticos e lógicos que ultrapassam em muito os meros jogos de palavras e as simples arquitetônicas de conceitos. A “legítima” Filosofia vale in concreto, pois escapa ao reducionismo historicista que considera as filosofias dos autores pregressos como meras teorias ultrapassadas nascidas de um momento histórico e de uma individualidade qualquer.
Porém, a realidade social em que vivem nossas crianças e adolescentes pode ser obstáculo imenso à sua transformação. Se essa é efetivamente possível a curto ou médio prazo, mais uma vez, não sei. Na verdade, há um tom utópico e esperançoso naquelas três razões que apresentei, embora os otimismos não venham me movendo já há muito. A famigerada “dura realidade da sala de aula” é, na maior parte dos casos, um banho de água fria nas boas vontades docentes. Contudo, como já foi dito, é preciso tentar e começar de algum lugar, pois se há algo a que não podemos renunciar é ao dever da educação.