Uma curiosidade: as estatísticas do curso de graduação em filosofia indicam o número de formandos é muito inferior ao número de calouros. (Entrei em 2001 com uma turma de 45 alunos; colei grau em 2005 com 8 colegas.) Houve inúmeras razões para isso: desistências, pedidos de transferência, trancamento de matrícula, “bombas” sucessivas, decepção com o curso, morte… Entre essas razões, havia um motivo que se repetia, com grande frequência e clareza, nas justificativas dos alunos: o sentimento de inutilidade do estudo da história da filosofia. Esse mesmo sentimento é o que mais se repete com os alunos de outras graduações que se deparam com a filosofia nos seus próprios currículos de faculdade.
De início, lembro o sábio provérbio: “a decepção é diretamente proporcional à expectativa”. É comum que as pessoas se sintam insatisfeitas com o estudo acadêmico da filosofia, com o trabalho meticuloso sobre os grandes autores e as grandes obras. Desenha-se em muitos estudantes, ao que parece, uma espécie de desapontamento seguido à expectativa da leitura dos clássicos. Isto é, sucede-lhes uma decepção após o árduo trabalho hermenêutico, posto que esperavam algum resultado, algum ganho, ou alguma nova habilidade imediata para lidar com o “mundo real” à sua volta. A mera leitura e compreensão – se é que se sucedem! – parecem-lhes coisas inférteis. A interpretação, a discussão, a reflexão, afiguram-se-lhes como meros trabalhos ociosos. Por vezes interessantes, é verdade. Contudo, nulos em utilidade. O estudo da história da filosofia e do pensamento de autores consagrados pela tradição não os oferece aquilo que buscavam: alguma capacidade prática para o trato dos problemas atuais. Daí, seu questionamento e sua inquietação: para que tudo isso?
O problema parece estar apoiado em dois aspectos: na expectativa que se tinha e no método do estudo realizado.
Quanto à expectativa, ocorre o seguinte: talvez, encarou-se a filosofia e seu estudo como um meio técnico para um determinado fim prático, em geral, de caráter sentimental ou social. Isto é, esperou-se obter com a filosofia algo como um cânon prescritivo, um conjunto de teses bem adaptadas à “realidade concreta”, ou ainda um instrumento próprio a auxiliar o seu portador na resolução de problemas que se impõem na vida e na sociedade hodiernas. Semelhantemente ao modo pelo qual uma pessoa recorre ao estudo do manual da televisão quando essa está com algum tipo de mau funcionamento. Temos problemas; logo, estudamos filosofia. As obras filosóficas, e especialmente aquelas mais marcantes na história da filosofia, não podem ser hoje lidas como manuais sem que corramos o risco de frustração prática e desentendimento histórico-filosófico.
Quanto ao método de estudo, lembro-me, então, de um texto do Ortega y Gasset que nos ajuda bastante a pensar sobre o problema. Em “Sobre o Estudar e o Estudante”, texto da primeira aula ministrada por ele num curso de metafísica, ele nos aponta magistralmente em direção ao cerne do problema do estudo da filosofia. Em suma, ele nos propõe a seguinte questão: como ensinar filosofia se, para de fato compreendermos os problemas filosóficos, devemos, primeiramente, senti-los, fazê-los uma inquietação nossa de modo genuíno, experimentar a necessidade da busca de compreensão daquele problema? Sem isso, a filosofia torna-se vã, superficial; eu diria, um discurso elaborado por pura técnica, engenharia de conceitos, arquitetura de idéias, verborragia que tem por reguladora de sua produção a pura inventividade de um sujeito apelidado de filósofo, ou que se arvora a tanto.