Nós, por nos tornarmos vítimas de violências na insegurança pública, ou mesmo por nos vermos sob ameaças de tais violências, sentimo-nos como exemplos éticos, como paradigmas da retidão, como quem habita o topo da moral, vivendo de braços com os valores mais altos do bem e da justiça, em contraste com aqueles que trazem nas mãos a violência e as ameaças aos nossos bens e às nossas vidas.
Acreditando estarmos aí, nos píncaros da virtude, passamos a julgar e a executar com facilidade, presteza, propriedade e convicção os violentos e os ameaçadores, transformando-nos assim de vítimas em vitimizadores, de violentados em violentadores, com naturalidade e consciência tranquila, sem conhecermos (e sem desejarmos conhecer!) o quanto contribuímos para a manutenção e expansão da insegurança social e dos conflitos e desigualdades que estão em sua base.
Do alto da moral, em nome da justiça e do bem, os imaculados cidadãos de bem, uma vez presas fáceis e indefesas, sentem-se no direito e no dever de tornarem-se predadores cruéis, atores de carnificinas e aviltamentos de toda sorte, algozes reativos e humilhantes, tudo sob o pretexto de acabar com a lei da selva que se instaura diariamente entre os humanos viventes.
A vingança e a reação violenta podem ter, quem sabe, suas razões, suas finalidades, sua justiça e sua pedagogia, em certas ocasiões e em certas cabeças (quem poderá julgar universalmente todas as circunstâncias de violência pelas quais passam as pessoas e o grau de indignação a que podem ser levadas?). Mas a vingança e a reação não podem se tornar uma cultura, um discurso prescrito, incentivado e chancelado socialmente a priori. Elas não podem se tornar uma política e uma ética, como muitos parecem querer. Elas não podem ser institucionalizadas como alguns grupos e corporações acabam por fazer em determinadas práticas cuja ciência é amplamente pública, porém não previstas e tampouco permitidas legalmente.
Pois não é mudando o polo ocupado no binômio “vítima-vitimizador” ou “violentado-violentador” que cada um de nós contribuirá para resolver o problema da insegurança social pública que vivemos, mas justamente acabando com a dicotomia aí presente. Em outras palavras: o problema é haver a violência e consequentemente a cisão entre os dois lados em que ela se divide, e não em saber qual lado se deve ocupar.
Antes de se regozijar e sentir a efusividade de pretensa justiça sendo feita diante das notícias de marginalizados espancados, humilhados e mortos, (seja arrastados em viaturas policiais, amarrados nus em placas de trânsito, baleados em via pública, estuprados e torturados em penitenciárias, unidades policiais e ‘tribunais’ de organizações criminosas…) seria muito sensato rever, também, as outras questões muito mais profundas e amplas que se encontram além da imediatidade dos crimes que eles praticaram.
Felipe Soares possui formação em Filosofia, tendo obtido a Licenciatura e o Bacharelado, com formação complementar em Letras e Ciências Humanas, em 2005 e o Mestrado, na linha de Lógica e Filosofia da Ciência, em 2008, pela UFMG. Estuda, escreve e desenvolve trabalhos como professor e músico.