Vivemos entre infinitos, você já percebeu? Não falemos de deuses, números, misticismos, vilezas… Pensemos, num primeiro momento, com a Física, em algo que ela nos propõe.
Estamos agora diante de um computador conectado a um provedor que nos coloca numa rede de conexões com todo o planeta. Esse planeta está num sistema solar, que por sua vez está numa galáxia, que por sua vez é uma galáxia entre milhares ou milhões de outras galáxias com milhares ou milhões de estrelas, sistemas solares… Não conhecemos os limites macro-cósmicos, se é que existem.
Estamos agora diante de um computador montado com várias pequenas peças compostas de outras peças menores. Essas peças são feitas de algum tipo de material, que por sua vez é constituído de milhares ou milhões de moléculas, que por sua vez são arranjos de átomos. Esses átomos possuem partículas sub-atômicas, que por sua vez possuem partes ainda menores, que por sua vez se resolvem em energia… Também não conhecemos os limites micro-cósmicos, se é que existem.
Entre o macrocosmo e o microcosmo, entre dois infinitos desconhecidos, estamos nós, no meio: pairando no universo, compostos de energia.
Nesse intervalo entre o infinitamente grande e o infinitamente pequeno está o mundo do meio, o nosso mundo, o mundo da vida. Com ele, relacionamo-nos, mediante a inteligência, a sensibilidade, a vontade… O mundo do meio é o mundo do meio social, dos meios de produção, do meio ambiente, dos meios de vida, do meio-dia, do meio-fio, do meio-tom e das meias-palavras. Nele, realizamo-nos e nos frustramos, nascemos e morremos. Nele, a política não vai bem, desenvolvem-se ciências, reina o egoísmo e a falta de consciência. Nele, assistimos à televisão, pagamos impostos, transamos, perdemos o emprego, lemos colunas na internet. Átomos e galáxias, humm!, estão longe demais da vida e do mundo efetivamente vividos.
De fato, contemplar infinitos não é coisa comum. E existem muitas infinidades. Sim, porque há muitos infinitos para serem contemplados: de matizes artísticos, filosóficos, científicos, religiosos, matemáticos, sentimentais…
O fato é que, para a imensa maioria de nós, o meio tem bastado amiúde, pois o meio é quase sempre tudo. Esquecemos e fugimos da bela ignorância e do prazer peculiar que os infinitos nos jogam na cara como tapas em nossa vanidade e em nosso sentimento de auto-importância.
Parece que o próprio modo de vida cotidiano, isto é, o modo mediano e espontâneo de se habitar o mundo do meio, leva-nos à falta sensibilidade para notar – entre outras coisas – aquele desconhecimento e o desconhecido enquanto tal. Nossa sensibilidade vive ocupada e ofuscada pelas modas, pela tecnologia, pela novela das oito na Índia, pelo trânsito da cidade, pelo paredão do BBB, pelos problemas e desejos práticos da vida imediata. Isso não é ruim por si mesmo. Vivemos nesse mundo do meio e nele temos nossa vida imediata: dedicar-se a isso, pois, não é “automaticamente” mau (cada um faz suas escolhas e tem suas tendências). Mas é uma pena que assim seja, na medida em que passamos a ter apenas visão de superfície, como que dissolvidos em futilidades e cegos para a imensidão de ignorância que nos cerca – ignorância no sentido de não-saber. Quem não tem momentos de perplexidade, quem nunca se deparou com a ignorância inafastável, quem nunca teve um genuíno gozo estético com coisa alguma, esse se tornou uma pedra humana!
Como dizia o cantor: “(…) Dois problemas se misturam, a verdade do universo e a prestação que vai vencer (…)”. Seguramente, o segundo problema é mais premente. Contudo, reeducar nossa sensibilidade, para podermos nos impressionar com as mazelas e maravilhas do nosso glorioso mundo do meio e com os infinitos que o cercam e o habitam, poderia ser um exercício diário. As coisas não vão bem por aqui, e a sensibilidade é um requisito fundamental para sua transformação.