Não deveríamos nós, no mínimo, espantarmo-nos com a imensa maioria das campanhas eleitorais? Podemos nós assistir sem indignação a tudo o que dizem e fazem os candidatos? Pois bem… Se a baixaria e a falta de educação da propaganda eleitoral são vistas como coisas normais, não é de se espantar que a urna seja mesmo penico e que a nossa política esteja de mal a pior.
O objeto almejado pelos candidatos é, obviamente, o cargo eletivo (porém, podemos crer que mais importante que isso, para alguns deles, sejam as “adjacências” do cargo, tais como o poder de influência, os subsídios e outras regalias pecuniárias, a reverência de ignorantes e de puxa-sacos…). Mas os cargos e o que lhes acompanha são dados por nós, eleitores, por meio do voto. Assim, a desgraça da nossa política é um sintoma da nossa sociedade: a doença maior está nos eleitores.
E o pior é que nem sequer ficamos sabendo de tudo o que se passa nos bastidores políticos. Notemos que inúmeras falcatruas “cabeludas” não ganham espaço na grande mídia – e mesmo que ganhem, a memória política do brasileiro é demasiado curta. Não vemos antigos pilantras se perpetuando no governo e se arvorando, a cada eleição, a justiceiros, a arautos dos novos tempos, a profetas da mudança? Avanços têm sido realizados, como a recente lei da Ficha Limpa, mas há ainda muito o que mudar.
Tudo indica que a principal e mais efetiva mudança deveria se passar em torno da educação do eleitor e, consequentemente, na consciência do seu voto, embora o seu exercício já seja algo ambíguo. Pois, a que deve o voto servir? Qual a função da representatividade política expressa no voto? Podemos citar duas direções de pensamento possíveis para tornar mais claras as questões.
1ª) O voto deve se basear no interesse individual de cada eleitor. Isto é, quando eu voto, devo optar pelo candidato ou pela sigla que julgo melhor satisfazer meus interesses particulares. Quando voto, coloco no “votado” a esperança de que realize minhas expectativas, que defenda minha classe, que amplie as oportunidades no âmbito em que eu tenho interesses, que me represente defendendo-me.
2ª) O voto deve ser uma opção política na mais ampla acepção do termo. Deve refletir a posição política e a visão da conjuntura momentânea do País que tenho enquanto cidadão. Quando voto, indico à democracia qual candidato ou sigla eu acredito que trará melhores resultados para o País, realizando meus ideais. Meu voto, nessa situação, visa ao interesse público, tem caráter genérico e social.
Se fizéssemos uma ampla pesquisa, é provável que haveríamos de notar, para bem ou para mal, a prevalência da primeira descrição – embora as duas descrições possam não se excluir. Primeiramente, porque a escolha de candidato passa pela consideração da nossa própria vida, na medida em que as decisões políticas, é claro, nos afetam, e muitas vezes diretamente. Em segundo lugar, porque soa démodé falar em ideais nos nossos tempos, ou mesmo algo utópico acreditar na ampla realização governamental do princípio do interesse público nos moldes de nossa política atual.
De um jeito ou de outro, devemos lembrar que no Brasil o voto é direito-dever, exceto para algumas “categorias”, tais como analfabetos, conscritos, maiores de 70 anos. Por um lado, é bom que o voto seja obrigatório: por exemplo, isso responsabiliza a sociedade como um todo pelas mazelas políticas do País, na medida em que são atribuídas às escolhas e às condutas daqueles eleitos pelo voto popular. Por outro lado, é ruim, pois, por exemplo, contabilizam-se inúmeros votos de quem apenas vai às urnas retribuir um “favorzinho” de um candidato presumidamente generoso ou votar por outras razões incoerentes com a finalidade da eleição democrática.
Ora, por tudo isso, seria uma boa idéia ofertar educação política como matéria de escola! Conteúdo? Conhecimentos básicos acerca dos três Poderes e suas funções, princípios de Direito, artigos da nossa Constituição vigente… Precisamos formar nossas crianças e adolescentes para esse aspecto tão determinante da vida social, embora a realidade vivida nas escolas – e mesmo nas faculdades –, em geral, não seja tão fértil e tão promissora. De todo modo, a ignorância tem que ser afastada, inclusive e principalmente a ignorância política. Além disso, educação não se faz apenas na escola.
É fato que o processo eleitoral brasileiro é um dos mais modernos do mundo. Mas o discernimento político do brasileiro não acompanhou esse desenvolvimento. Por exemplo, não se nota a importância da sigla, ou melhor, do partido ao qual o candidato se filia para concorrer às eleições. É muito comum se ouvir as pessoas dizendo que a escolha do partido é completamente insignificante. Apenas por um lado isso é verdade: muitos escolhem sua legenda especulando acerca da maior possibilidade de sua eleição, em função do quociente eleitoral ou das vantagens partidárias, como um maior tempo na televisão. Em outros aspectos, e mais importantes, a legenda é essencial: nas decisões que ocorrem nas casas legislativas, por exemplo, regra geral, prevalece o interesse das bancadas partidárias sobre a real opção individual de cada político. Além disso, é de se esperar que um candidato do DEM ou do PSDB tenha opiniões fundamentais divergentes daquelas de um candidato do PCdoB ou do PSol. Como dizer que o partido não é importante?
É preciso que cada um chame para si a responsabilidade de bem votar e, sempre que possível, fazer vir ao debate e à informação aqueles que irão a votar um dia – e também aqueles que lotam os comícios, buzinam nas carreatas, vibram pelos inúmeros Odoricos Paraguaçús nas Sucupiras* desse Brasil afora… E é preciso trazer à consciência e à crítica, ainda com mais força, aqueles que, por premente necessidade e mesmo mediante justificativa física, trocam seu voto por uma cesta básica, ou sua promessa.
Ser um otimista é pedir demais. Mas ter esperanças…
*Odorico Paraguaçú discursando na cidade de Sucupira: qualquer semelhança é mera coincidência… (cena da novela “O Bem Amado”, escrita por Dias Gomes, protagonizada por Paulo Gracindo, em 1973):