É notório que as ciências empíricas possuem, atualmente, uma credibilidade jamais antes vista na história, se levarmos em conta o domínio de sua aplicação, a sua imagem para o homem médio e a amplitude dos seus desenvolvimentos. Nunca se confiou tanto na ciência para a resolução dos mais variados tipos de problemas e para o alcance das bases teóricas do desenvovimento das técnicas e tecnologias. Poder-se-ia, em suma, dizer que as ciências, e sobretudo as ciências naturais e experimentais, são tidas, em geral, como as melhores formas de conhecimento, explicação e fundamento de intervenção na realidade.
O REALISMO
A estas perguntas há dois grandes modos de resposta, cada um deles subdividido numa série de perspectivas próprias a cada filósofo ou cientista que se ocupa do tema. Um primeiro modo pode ser esboçado da seguinte forma: sim, as entidades teóricas existem, pois, do fato de elas ainda não terem sido observadas, ou o terem sido observadas apenas de modo bastante complexo e indireto, não se pode concluir que elas não existam como o supõe a teoria. Além disso, as teses científicas são aqui entendidas como descrições da realidade do mundo. A ciência alcança e expressa a configuração da natureza tal como ela é. Para ilustrar os argumentos desta interpretação, que caracteriza a posição realista no debate, podemos citar como exemplo o “argumento do não-milagre”. O argumento afirma que seria uma enorme coincidência ou praticamente um milagre o grande êxito explicativo e preditivo das teorias científicas, recheadas de termos teóricos, se as entidades não-observáveis às quais elas se referem, de fato, não existissem.
Do outro lado do debate, encontra-se a postura denominada anti-realista que, numa caracterização geral, pode ser definida como aquela que nega – de algum modo ou em algum grau – a existência dessas entidades não-observáveis das teorias. Os termos teóricos passam a ser julgados, então, não segundo o critério de verdade, mas, antes, segundo o critério de adequação empírica ou de conformidade aos eventos observáveis. Nesta perspectiva, encontra-se, por exemplo, a postura instrumentalista que concebe as teorias científicas e seus termos teóricos como meros instrumentos de maior ou menor eficácia e utilidade para a manipulação e explicação de fenômenos observáveis, sem a pretensão de que as teses científicas expressem qualquer verdade acerca da natureza dos fenômenos naturais. O que importa aqui é a utilidade da teoria e a verossimilhança da explicação. Dessa perspectiva, pode-se citar como exemplo de argumento a chamada “indução pessimista”, que aponta para o fato de que a história da ciência mostra que as teorias se sucedem, os termos teóricos podem ser substituídos uns pelos outros, segundo uma melhor adequação aos eventos observados. Assim, o conhecimento científico pode ser entendido com um construto conceitual-instrumental para lidar com a natureza, construto que, ainda que se mostre eficiente na explicação e previsão de novos acontecimentos, não atinge ou expressa a configuração íntima do mundo, a verdadeira estrutura da realidade em si mesma, e justamente por isso, as teorias se sobrepõem constantemente umas sobre as outras.
O debate entre os realistas e anti-realistas não está, mais uma vez, próximo do fim, e suas subdivisões já se tornaram bastante sofisticadas e ricas em sutilezas. Como quer que seja, é fato que as ciências naturais e experimentais possuem grande sucesso e êxito prático. E, ao que parece, é isso o que importa. Em geral, vive-se mesmo no desconhecimento. (Fernando Pessoa dizia algo assim: “viver é ignorar”). Portanto, é de se esperar que a chancela do “cientificamente comprovado” ainda nos guie por longos caminhos, com sua aparente luminosidade e promissora segurança. Ainda que seja a ciência um gigante sem pés.