Quando se fala em comércio exterior é comum associar essa atividade às trocas comerciais entre empresas de diferentes países. De fato, pode se dizer que essa é a atividade principal. Existem, porém, obrigações e operações acessórias que precisam ser observadas, de modo que os termos acordados na negociação internacional se concretizem com a entrega da carga ao importador e com o pagamento da mercadoria ao exportador.
Embora existam convenções e acordos de abrangência global, cada país estabelece controles próprios e, como consequência, as empresas precisam conhecer a legislação, os procedimentos e, principalmente, os intervenientes com os quais se relacionam.
Para que se tenha uma ideia da complexidade legislativa que as empresas devem seguir, em um levantamento feito pelo Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação (IBPT), constatou-se que as empresas brasileiras lidam em média com 3.639 normas. Esse desafio aumenta à medida que passam a atuar no comércio exterior, cuja necessidade de conhecer a legislação e os processos em outros países oferecem condições mais competitivas durante uma negociação.
Isso não significa dizer que essa complexidade seja menor ou maior em outros países; apenas diferente da realidade das empresas brasileiras. Da mesma forma, uma operação em outro país pode funcionar perfeitamente por lá, enquanto não se enquadraria à dinâmica das empresas no Brasil, ou vice-versa.
Segundo estudo feito pela TMF Group, em 2023, os Estados Unidos, mesmo sendo a maior economia do mundo, ocupavam a 11ª posição entre as nações com as jurisdições menos complexas. Partindo desse estudo, esse artigo irá apresentar uma operação de exportação aérea dos Estados Unidos para o Brasil, com o objetivo de analisar o grau de complexidade dessa operação e, essencialmente, entender se de fato poderíamos aplicá-la à realidade das operações de exportação no Brasil.
Uma exportação do Estados Unidos para o Brasil passa primeiro pela negociação comercial. Uma vez acordada a parte comercial, define-se, em seguida, a logística a ser aplicada. Dentro do contexto logístico, a operação inicia com a coleta, passando pelo despacho aduaneiro até o efetivo embarque. Ainda nesse contexto, um ponto de atenção passa pelo despacho de exportação. Quando assumido pelo exportador (Incoterms® Grupo C ou D) denomina-se Embarque Non-Routed. Por outro lado, quando assumido pelo importador (Incoterms® Grupo E) trata-se de Embarque Routed. Há uma discussão quanto aos Incoterms® do Grupo F, mas devem ser são tratados como Embarque Non-Routed.
A coleta no território estadunidense poderá ocorrer em um veículo exclusivo (FTL – full truckload) ou em um compartilhado (LTL – less-than-truckload). Em alguns casos, pode-se utilizar um motorista TSA, ou seja, aquele profissional que possui uma autorização da Administração de Segurança de Transportes dos USA (TSA) para acessar a área alfandegada e entregar a carga desembaraçada diretamente na aeronave. Nos casos cuja coleta seja realizada nos pontos de fronteira com o México, por exemplo, pode-se utilizar uma transportadora Bonded, isto é, aquela licenciada pela Agência de Alfândega e Proteção de Fronteiras dos USA (CBP) para entrar e transitar pelos Estados Unidos com a carga já desembaraçada, a fim de embarcá-la diretamente de um aeroporto americano, sem perder os benefícios fiscais que determinados produtos de origem mexicana têm em virtude de acordos de complementação econômica. E outra modalidade de coleta é a de via aérea, por meio de uma empresa de Courier.
O despacho aduaneiro quando realizado pelo exportador americano, também denominado como USPPI (U.S. Principal Party in Interest) pelo Departamento de Comércio dos USA (BIS), é geralmente representado pelo próprio fabricante ou pelo vendedor que adquire um produto de um fabricante dos Estados Unidos para revenda. Antes de iniciar o despacho aduaneiro deverá observar duas premissas quanto à obrigatoriedade do cumprimento das formalidades alfandegárias ou de sua dispensa.
A primeira premissa ocorre quando o valor da mercadoria não ultrapassa USD 2500 ou não há exigência de licenciamento de exportação. Nessa hipótese, embora não seja obrigatório cumprir com as formalidades legais e aduaneiras; o governo, porém, pode exigir periodicamente um controle que mostre os embarques dispensados de tais formalidades.
Na segunda premissa, quando o valor da mercadoria ultrapassa USD 2500 ou há exigência de licença de exportação, o exportador, nesse caso o fabricante americano, deverá preencher as Informações Eletrônicas de Exportação (EEI), no Sistema Automatizado de Exportação (AES), a fim de atender as exigências impostas pelo Regulamento de Comércio Exterior (FTR). Cumpridas essas formalidades, o sistema AES irá gerar o Número de Transação Interna (ITN) que comprova o cumprimento da obrigação legal e a permissão para o embarque da mercadoria.
Vale ressaltar que, o valor da mercadoria em ambas as premissas, independente de ultrapassar ou não os USD 2500, deverá receber uma classificação fiscal, utilizando-se do código “Schedule B” que se baseia nos 6 dígitos do Sistema Harmonizado (SH), acrescidos de 4 dígitos.
Na sequência ao despacho aduaneiro ocorrerá o efetivo embarque, mediante reserva confirmada pela cia aérea. Nesse ponto, o exportador ou o agente de carga contratado irá negociar os termos do contrato de transporte. Deve-se atentar para a necessidade de ter o despacho concluído e adicionar o número do ITN no conhecimento de transporte aéreo até duas horas antes do horário programado do embarque.
Por outro lado, o processo de exportação, quando assumido pelo Importador, apresenta uma mudança em relação ao despacho aduaneiro. O Regulamento do Comércio Exterior dos Estados Unidos (FTR) permite que o importador realize o despacho de exportação sempre que for dado a uma empresa americana a condição de Agente Autorizado.
Nesse sentido, o importador, também denominado como FPPI (Foreign Principal Party in Interest) pelo Departamento de Comércio dos USA (BIS), antes de iniciar qualquer etapa de exportação, precisa autorizar um representante nos Estados Unidos, geralmente o agente de carga, a fim de representá-lo perante a aduana americana. Essa autorização é obtida por meio do preenchimento e assinatura do Export Power of Attorney (POA), dando ao agente de carga a equiparação ao “exportador”, de modo que ele consiga realizar a transmissão eletrônica de exportação no Sistema Automatizado de Exportação.
Dado que o Agente Autorizado não possui todas as informações da carga, torna-se necessário, antes da coleta, solicitar ao fabricante o preenchimento da Shipper’s Letter of Instructions (SLI), como complemento às informações contidas na fatura comercial e packing list, a fim de realizar a correta transmissão da EEI. Essa instrução de embarque, geralmente no formato de Excel, simula como seria o preenchimento das 4 etapas no AES (Shipment, Parties, Commodities, Transportation) que, devidamente preenchido, irá gerar o ITN para comprovar a conclusão do desembaraço aduaneiro de exportação.
É comum que os fabricantes se utilizem de softwares para tornar mais ágil a comunicação com o importador quando da prontidão da carga. Uma dessas ferramentas é o Advanced Shipping Notice (ASN), que gera uma mensagem automática e de forma antecipada dos dados da carga ao importador, por meio de um Electronic Data Interchange (EDI), no caso o EDI856. Com essa informação em mãos, o importador tem a possibilidade de alinhar mais rapidamente a coleta do material com o agente de carga.
Nos casos em que o agente de carga irá organizar a coleta, observado o correto preenchimento da SLI, ainda que o exportador tenha utilizado o ASN ou outro meio de comunicação, o agente irá compartilhar uma ordem de coleta, ou simplesmente Bill of Lading (BOL), com o fabricante, cujo conteúdo consiste na informação da transportadora, horário de coleta, referência da ordem a ser coletada etc.
Uma vez coletada, o Agente Autorizado, agora na condição de “exportador” irá preencher o AES, baseando-se nas informações passadas pelo próprio fabricante na SLI. Cumpridas as etapas aduaneiras, a carga será entregue ao aeroporto para finalizar os trâmites aduaneiros até o efetivo embarque. Em paralelo, o agente de carga enviará a documentação de embarque para ciência do importador.
De modo geral, as exportações americanas não possuem alto grau de complexidade à medida que a legislação americana oferece maior confiabilidade às informações fornecidas pelo exportador, assim como pelo importador, representado pelo Agente Autorizado, dando maior agilidade ao processo.
No caso do Brasil, ainda não é possível que uma empresa localizada em outro país faça por conta e ordem o processo de despacho aduaneiro de exportação, já que não atenderiam a alguns critérios obrigatórios, como realizar a inscrição de Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica (CNPJ), diferente dos Estados Unidos que o importador, quando representado pelo Agente Autorizado, pode atuar no sistema de comércio exterior. Da mesma forma que as transportadoras nacionais não possuem autorização, após coleta, entregar a carga desembaraçada no local de embarque, sem antes passar pelo local de despacho aduaneiro, enquanto nos Estados Unidos é dada essa autorização ao motorista TSA.
Diante dos fatos apresentados observou-se que o processo de exportação dos Estados Unidos apresenta algumas facilitações que tornam o processo mais ágil, exigindo dos operadores maior grau de responsabilidade com as informações prestadas. Além disso, a legislação mais flexível oferece maiores condições às empresas estrangeiras atuarem em consonância com as convenções internacionais, a exemplo dos Incoterms®. Assim, mesmo diante dos grandes avanços na simplificação da legislação e na flexibilidade das operações de comércio exterior brasileiro, há sempre espaço para melhorias e aprendizagem com outros nações.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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- SIMPLIFIEDTRADESOLUTION. The AES and ITN explained. Disponível em: https://simplifiedtradesolutions.com/the-aes-itn-explained/. Acesso em 29 Jun 2024.
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- TMGROUP. Insights. Disponível em: https://www.tmf-group.com/pt-br/noticias-insights/. Acesso em 30 Jun 2024.