Ninguém desconhece que o equilíbrio entre os interesses do poder público e privado é um dos pilares para construção da liberdade econômica necessária para o progresso social.
Em um estudo divulgado em 2024 pela Heritage Foundation, um dos mais importantes centros de pesquisa em política pública do mundo, com dados socioeconômicos coletados em 184 países, dentre eles o Brasil, foram elencados os principais critérios para avaliar os níveis ideais para se alcançar a liberdade econômica.
A partir desses critérios buscou-se classificar, numa escala de 0 a 100, quais países que mais adotavam práticas para uma menor intervenção do governo na economia, tais como: assegurar os direitos de propriedade, garantir a liberdade ao negócio, facilitar a liberdade de comércio exterior etc. Logo, quanto mais próximo de 100, mais livre economicamente seria aquele país. O Brasil apareceu na posição 124 das 184 nações analisadas e, considerando os critérios adotados pela Heritage, o país teve uma pontuação de 53.2, classificado como uma economia majoritariamente não livre.
O governo brasileiro, por sua vez, internalizou alguns princípios da liberdade econômica, como se observa na Lei 13.784, Art. 3º, I, no qual é dado a qualquer pessoa o direito de “desenvolver atividade econômica de baixo risco, para a qual se valha exclusivamente de propriedade privada própria ou de terceiros consensuais, sem a necessidade de quaisquer atos públicos de liberação da atividade econômica”.
Em outras palavras, o governo concede às empresas maior liberdade contanto que as atividades desenvolvidas ofereçam baixo risco. Isso não significa dizer que o governo deixará de exercer controle sobre as operações, mas criará condições para facilitar com que elas ocorram de forma mais transparente e, principalmente, que os órgãos públicos tenham acesso centralizado às informações dos produtos que são comercializados.
No âmbito do comércio exterior, o governo desenvolveu o Portal Único do Comércio Exterior, cujo tratamento administrativo e tributário, assim como o controle aduaneiro passam a ser exercidos de forma centralizada em um único sistema, acessível a todos os intervenientes da cadeia logística. Logo, os diferentes sistemas utilizados pelos órgãos públicos passam a ser integrados ao Portal Único, dando maior agilidade e transparência às operações de comércio exterior.
Assim, pode-se dizer, por exemplo, que órgãos atuantes na fronteira, como o MAPA, ANVISA, INMETRO e IBAMA deixam de usar os próprios sistemas para realizarem os respectivos controles administrativos pelo Portal Único, no módulo LPCO (Licenças, Permissões, Certificados e Outros Documentos), facilitando o acesso à informação de todos os intervenientes, bem como dos demais usuários. Lembrando que o LPCO contempla todos os órgãos da administração pública à medida que são integrados ao Portal Único.
Quanto aos tipos de tratamento dado às operações de comércio exterior, a Secretária de Comércio Exterior (SECEX) entende, por meio da Portaria SECEX no 272/2023, Art. 2°, I, que o tratamento administrativo se refere a “toda restrição, exigência ou controle administrativo de caráter não aduaneiro que incida sobre uma operação de importação ou de exportação de mercadoria”.
Nesse sentido, sempre que uma operação exigir autorização de um órgão público, denominado órgão anuente, para que uma mercadoria ingresse ou saia do Brasil, faz-se necessário realizar o pedido por meio da LPCO.
O órgão anuente, ao classificar o nível de risco que aquela operação apresenta ou em função de ato internacional, poderá definir o tipo de controle a ser exercido. Indica, portanto, o tipo de licença, permissão, documento ou outras tratativas a serem observadas pelo importador ou exportador para obter as devidas autorizações.
Segundo a Portaria SECEX no 272/2023, Art. 8°, § 7°, pode-se adotar como regra geral apenas o monitoramento, tendo as operações de comércio exterior dispensadas de licenciamento; ou emitir uma licença/autorização válida para múltiplas importações ou exportações, também conhecida como Licença Flex; ou exigir uma licença/autorização para cada importação ou exportação; ou se necessário, em qualquer uma dessas situações, realizar inspeção física; ou, em casos específicos, determinar a proibição.
Com base em uma dessas exigências, tanto o importador quanto o exportador precisam realizar as devidas consultas no Siscomex, utilizando-se do código da NCM (Nomenclatura Comum do Mercosul) ou, em função de outras características da operação, verificar se há tratamento específico.
Dado isso, suponhamos que a empresa Quatro Pneus Ltda., localizada na cidade mineira de Sete Lagoas, após analisar um crescimento na procura por pneus importados, resolveu fazer uma importação direta dos modelos mais procurados. Antes, porém, para evitar qualquer surpresa, negociou com uma empresa localizada na China o envio de uma amostra para estudo técnico do produto a fim de confirmar a viabilidade comercial.
Uma vez concluído o trâmite comercial, a equipe de comércio exterior foi acionada para as tratativas operacionais. A primeira ação foi identificar a NCM aplicada ao produto que, segundo a equipe de classificação fiscal seria a NCM 4011.10.00 (pneus novos, de borracha, do tipo utilizado em automóveis de passageiros). A segunda ação foi realizar a consulta no Siscomex, no módulo LPCO, a fim de identificar o tratamento administrativo dado ao produto e, caso fosse aplicado, qual seria o órgão anuente para conceder a autorização dessa importação.
Nessa segunda etapa foi observado que, a importação de pneus, mesmo na condição de amostra, requer autorização do INMETRO, previamente ao registro da declaração de importação. De acordo como a DECEX (Departamento de Comércio Exterior), não há impedimento para a empresa Quatro Pneus realizar o registro da declaração de importação, por meio da DUIMP, quando obtida a autorização do INMETRO, cujo pedido ao órgão foi feito por meio do Siscomex/LPCO e não pelo Siscomex/LI, como era feito.
Outro ponto analisado pela equipe de comércio exterior foi em relação à modalidade dessa licença. Observou-se que, de acordo com a Portaria INMETRO no 159/2021, Art. 4º, a licença dada à importação de pneus não é válida para mais de uma operação, ou seja, a cada novo embarque requer uma nova LPCO (Licença de Importação).
Com todas as informações em mãos, a equipe de comércio exterior, em atendimento aos procedimentos elencados na Portaria INMETRO no 159/2021, Art. 2º, fez o registro do pedido de licenciamento da importação dos pneus no SISCOMEX, módulo LPCO, efetuando também o pagamento da taxa de Anuência. Uma vez deferido pelo INMETRO e não tendo nenhum impedimento, a equipe de Comex seguiu com o embarque dos pneus. Quando da chegada no Brasil, a equipe de desembaraço vinculou a LPCO no item da DUIMP referente à importação dos pneus.
Mesmo o embarque seguindo conforme programado, a Quatro Pneus se viu diante do bloqueio da carga por parte do Ministério da Agricultura (MAPA). O time de desembaraço recebeu um Termo de Intimação da Receita Federal informando da não conformidade do pallet de madeira. Segundo o Termo, foi constado a ausência da marca IPPC na embalagem de madeira. Essa marca é exigida para fins de comprovar que a embalagem passou por todas as medidas fitossanitárias, cumprindo, portanto, com as diretrizes da Norma Internacional para Medidas Fitossanitárias no 15 (NIMF 15) da Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação (FAO), do qual o Brasil é signatário desde 1949, tendo internalizado essa norma em 2009.
O MAPA, cumprindo com o estabelecido na Portaria no 514, Art. 34, § 1º, I ao III, tem poderes para apresentar exigências no módulo LPCO quanto à necessidade da devolução da mercadoria e respectivas embalagens e suportes de madeira ao exterior; ou devolução das embalagens e suportes de madeira ao exterior; ou destruição das embalagens e suportes de madeira.
Anteriormente ao Portal Único, o MAPA utilizava o próprio sistema para emissão da Declaração Agropecuária de Trânsito (DAT), na qual era feita a exigência e apresentada ao importador que, uma vez atendida, era dado o deferimento ou indeferimento.
Já no Portal Único, módulo LPCO, quando o importador faz o pedido de LPCO devido à presença de embalagem de madeira no embarque, o MAPA fará a exigência quando de não conformidade, otimizando e centralizando o fluxo de informação.
No caso da Quatro Pneus, a exigência do MAPA consistiu na devolução da embalagem de madeira ao exterior. O MAPA não entra no mérito quanto à responsabilidade pelo custo da devolução, embora tenha o entendimento que “é responsabilidade do exportador atender às exigências dos países importadores quando ao uso e suportes de madeira destinados ao acondicionamento de mercadorias no trânsito internacional”, de acordo com Portaria no 514, Art. 24.
A equipe de comércio exterior da Quatro Pneus, após acordar com o exportador as tratativas para a devolução, deu início aos procedimentos e, uma vez que o pallet condenado foi dissociado da mercadoria e toda a documentação para exportação do pallet emitida, houve o desbloqueio dos pneus.
Vale ressaltar que, o tratamento dado à embalagem de madeira no LPCO, acontece quando a própria embalagem é considerada uma mercadoria e, havendo necessidade de Licença de Importação (LI), o importador, ao solicitar a inclusão de pedido de LPCO, precisa utilizar o modelo I0004 (LI/DI – Importação de Produtos de Interesse Agropecuário) e aguardar o deferimento da licença.
Ademais, existe uma segunda situação que necessita da autorização do MAPA. Quando da chegada da mercadoria ao primeiro ponto de entrada no Brasil e, havendo necessidade dessa carga seguir, em trânsito aduaneiro, para outra unidade para fins de desembaraço, o MAPA pode ter que autorizar, caso se identifique a presença da embalagem de madeira. Ou mesmo que a carga seja desembaraçada na mesma unidade que chegou, caso se identifique que a embalagem de madeira não está em conformidade com a NIMF 15, o MAPA fará exigência, por meio da LPCO, para as devidas tratativas. Nessas duas últimas situações, o importador, ao solicitar a inclusão de pedido de LPCO, precisa utilizar o modelo I00054 (Importação de produto agropecuário dispensada de Licença de Importação – LI) e aguardar o deferimento da LPCO.
Diante aos fatos mencionados e aos exemplos apresentados percebe-se um grande ganho de eficiência e, como consequência, redução dos custos e de tempo para todos os operadores da cadeia logística com a criação do Portal Único. A visão que, a integração de diferentes órgãos da administração pública, pudesse criar um ambiente de maior segurança às atividades de comércio exterior vem de encontro com os princípios da liberdade econômica tão necessária para o desenvolvimento sustentável dos mais diversos setores da economia brasileira.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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