Quem nunca se viu atraído por um produto importado? Muito além do preço competitivo e de certa exclusividade, comprar um produto em outro país, seja por meio eletrônico ou pessoalmente, nos permite ter acesso a outras tecnologias, a vivenciar novas experiências, além de aumentar nosso poder de escolha; sem falar na possibilidade de conectar-nos a um mundo cada vez mais diversificado e virtual.
À medida que aumenta o interesse pelas compras internacionais por meio eletrônico, o impacto, porém, no comércio, é mais sentido pela perda de competitividade das empresas brasileiras. Essa tendência já vem sendo percebida nos últimos anos, já que o comércio eletrônico encurtou a distância entre brasileiros e vendedores espalhados em diversas partes do mundo, na forma de oferecer produtos com preços bem inferiores aos praticados no Brasil.
O desafio para as empresas localizadas no Brasil em lidar com a complexidade do regime tributário e das leis trabalhistas, da questão logística, da própria concorrência local vendo-se diante de um novo entrante com alto poder de barganha e, somado as essas preocupações, ainda ter que oferecer preços competitivos e experiências duradoras. Tudo seria questão de tempo para essa pauta entrar no centro de discussão do governo, não só pela necessidade de proteger a indústria nacional, mas intrinsicamente ligado a uma possibilidade real de exercer maior controle nas compras internacionais realizadas por pessoa física e, como consequência, tornar o comércio internacional mais justo e dinâmico.
O governo, por sua vez, escolheu o caminho pelo qual passaria a exercer maior controle nas operações das empresas que operassem no comércio eletrônico (e-commerce). Para isso, criou o Programa Remessa Conforme (PRC), exigindo que as empresas certificadas passassem a declarar, de forma antecipada nos seus próprios sites o valor dos impostos federal e estadual embutidos no preço total da mercadoria importada. Logo, tais impostos passariam a ser recolhidos no ato do fechamento da compra e não mais quando da chegada ao Brasil caso a mercadoria fosse selecionada pela fiscalização aduaneira.
De acordo com a Instrução Normativa no 2146, Art. 20-A, o Programa tem duas principais premissas quanto à possibilidade de “conferir maior agilidade e previsibilidade ao fluxo do comércio exterior; e promover o cumprimento da legislação tributária e aduaneira”. Isto é, dado que as informações serão declaradas no próprio site, a pessoa terá previsibilidade do custo total da mercadoria ao mesmo tempo que terá a liberação mais rápida no Brasil, uma vez que as empresas de e-commerce irão fornecer, antecipadamente, às empresas de courier (quem fará o transporte da mercadoria/liberação na fiscalização), todas as informações necessárias para o registro da Declaração de Importação de Bens (DIR), antes da chegada do veículo internacional ao Brasil. Com efeito, todas as formalidades aduaneiras (preenchimento da DIR) e tributárias (pagamento do Imposto de Importação e ICMS) serão mais rapidamente cumpridas.
Em termos práticos, a pessoa que realiza uma compra internacional no e-commerce perceberá duas grandes mudanças: A primeira trata-se da informação mais detalhada da composição do preço final do bem, pelo qual será possível analisar se ainda é viável a compra. Já a segunda mudança refere-se ao menor tempo de liberação na fiscalização, uma vez que todas as informações referentes àquela importação, bem como o pagamento dos tributos foram realizados antecipadamente.
A Receita Federal considerou três possíveis situações para realizar o cálculo dos impostos incidentes na importação realizada por pessoa física residente no Brasil, adquirida de pessoa física ou jurídica no exterior, para uso e consumo. Lembrando que serão descaracterizadas as remessas para fins comerciais e industriais, bem como as que estejam acima das cotas estabelecidas por quantidade e habitualidade.
De forma resumida, temos:
- Para as compras até USD 50 dentro do Remessa Conforme: Deve-se aplicar 20% do Imposto de Importação sobre o valor aduaneiro + 17% de ICMS
- Para as compras acima de USD 50 até USD 3000 dentro do Remessa Conforme: Deve-se aplicar 60% de Imposto de Importação sobre o valor aduaneiro + 17% de ICMS. Será dada uma redução de USD 20 no Imposto de Importação.
- Para as compras realizadas em plataformas não cadastradas no Programa ou cujo produto não esteja contemplado, independentemente do valor: Deve-se aplicar 60% de Imposto de Importação + 17% ICMS (pode variar de estado para estado)
Para as compras abaixo de USD 50 via Remessa Conforme, o primeiro passo é encontrar a base de cálculo dos impostos. Deve-se calcular o Valor Aduaneiro que consiste:
(+) Valor da Mercadoria convertido em REAIS (consultar a taxa do câmbio no dia do fechamento da compra)
(+) Valor do Frete Internacional convertido em REAIS
(+) Outras despesas que compõem o preço da mercadoria
(-) Qualquer desconto dado (cupons, cashback e outros)
(=) VALOR ADUANEIRO em REAIS
Suponhamos que será comprado no site da Ali Express um Carregador Sem Fio para Samsung da SwanScout que custa USD 25, com frete grátis. Logo, o valor aduaneiro será:
(+) R$ 156.29 (25 x 6.25 = 156.29)
(+) Frete Grátis
(+) Sem despesa adicional
(-) Nenhum desconto concedido
(=) R$ 156.29 (valor aduaneiro)
Para calcular o Imposto de Importação para as compras de até USD 50, basta aplicar 20% sobre o valor aduaneiro: Logo, o valor do Imposto de Importação será: (=) Valor Aduaneiro x 20%
Temos, assim:
(=) 156.29 x 0.2 = R$ 31.26 de Imposto de Importação.
Para calcular o ICMS para as compras de até USD 50, basta aplicar 17% sobre o valor aduaneiro + Imposto de Importação: Logo, o valor do Imposto de Importação será: (=) (Valor Aduaneiro + Imposto de Importação) / ICMS **
(**) Há uma particularidade na aplicação da alíquota do ICMS, conforme Lei Complementar 87/96, Art. 13, § 1º, I, já que o imposto entra na sua própria base de cálculo (cálculo por dentro). Ou seja, se o imposto é de 17%, quando for aplicar na base de cálculo deve-se considerar: (100 – 17 = 83%). Logo, na base de cálculo ao invés de multiplicar por 17% (0.17) deve-se dividir por 83% (0.83). O valor encontrado diminuir do valor aduaneiro/Imposto de Importação.
Temos, assim:
(=) (156.29 + 31.26) / 0.83 = 187.55 / 0.83 = 225.96 – 187.55 = R$ 38.41 de ICMS
Agora sim, temos o total a ser pago pela mercadoria:
(+) 156.29 (Valor Aduaneiro)
(+) 31.26 (Custo do Imposto de importação)
(+) 38.41 (Custo do ICMS)
(=) R$ 225.96 (VALOR FINAL DO BEM)
Para as compras acima de USD 50 até USD 3000 via Remessa Conforme, o primeiro passo é encontrar a base de cálculo dos impostos.
Suponhamos que dessa vez será comprado no site da Ali Express um Galaxy Watch7 que custa USD 442, com frete grátis e com 5% de desconto na compra à vista. Logo, o valor aduaneiro será:
(+) R$ 2762.50 (442 x 6.25 = 2762.50)
(+) Frete Grátis
(+) Sem despesa adicional
(-) R$ 138.13 (Desconto de 5%, já que a compra será à vista. 2762.50 x 0.05 = 138.13)
(=) R$ 2624.37 (2762.50 – 138.13 = 2624.37)
Para calcular o Imposto de Importação para as compras acima de USD 50 até USD 3000, basta aplicar 60% sobre o valor aduaneiro: Logo, o valor do Imposto de Importação será:
(=) 2624.37 x 0.6 = R$ 1574.62 de Imposto de Importação
Para calcular o desconto de USD 20 do Imposto de Importação para as compras acima de USD 50 até USD 3000, basta aplicar esse desconto quando da composição da base de cálculo do ICMS: Logo, o valor do desconto será: (=) (Desconto x taxa do dólar)
Temos, assim:
(=) 20 x 6.25 = – R$ 125 de Desconto
Para calcular o ICMS para as compras acima de USD 50 até USD 3000, basta aplicar 17% sobre o valor aduaneiro + Imposto de Importação – Desconto: Logo, o valor do Imposto de Importação será:
(=) (Valor Aduaneiro + Imposto de Importação – Desconto) / ICMS
Temos, assim:
(=) (2762.50 + 1574.62 – 125) / 0.83 = 4212.12 / 0.83 = 5074.84 – 4212.12 = R$ 862.72 de ICMS
Agora sim, temos o total a ser pago pela mercadoria:
(+) 2762.50 (Valor Aduaneiro)
(+) 1449.62 (Custo do Imposto de importação – Desconto)
(+) 862.72 (Custo do ICMS)
(=) R$ 5074.84 (VALOR FINAL DO BEM)
Para as compras realizadas fora do Remessa Conforme,, independentemente do valor, o primeiro passo é encontrar a base de cálculo dos impostos.
Suponhamos que será comprado no site da Walmart o mesmo Carregador Sem Fio para Samsung da SwanScout, no valor de USD 25, com frete grátis. Logo, o valor aduaneiro será:
(+) R$ 156.29 (25 x 6.25 = 156.29)
(+) Frete Grátis
(+) Sem despesa adicional
(-) Nenhum desconto concedido
(=) R$ 156.29
Para calcular o Imposto de Importação nas compras fora do Remessa Conforme, caso seja selecionado pela fiscalização, basta aplicar 60% sobre o valor aduaneiro: Logo, o valor do Imposto de Importação será:
(=) Valor Aduaneiro x 60%
Temos, assim:
(=) 156.29 x 0.6 = R$ 93.77 de Imposto de Importação.
Para calcular o ICMS nas compras fora do Remessa Conforme, caso seja selecionado pela fiscalização, basta aplicar 17% sobre o valor aduaneiro + Imposto de Importação: Logo, o valor do ICMS será:
(=) (Valor Aduaneiro + Imposto de Importação) / ICMS
Temos, assim:
(=) (156.29 + 93.77) / 0.83 = 250.06 / 0.83 = 301.28 – 250.06 = R$ 51.22 de ICMS
Agora sim, temos o total a ser pago pela mercadoria:
(+) 156.29 (Valor Aduaneiro)
(+) 93.77 (Custo do Imposto de importação)
(+) 51.22 (Custo do ICMS)
(=) R$ 301.28 (VALOR FINAL DO BEM)
Percebe-se que toda essa preocupação quanto à tributação se justifica quando se compara os dados levantados pelo Instituto de Estudos Fiscais. Em 2018, as importações de pequeno valor somaram US$ 800 milhões. Já em 2022, esse número saltou para US$ 13.1 bilhões. No mesmo período, o Brasil saltou de 70,5 milhões de remessas postais recebidas em 2018 para 176,3 milhões de encomendas em 2022, dos quais somente 2% dos produtos adquiridos online de fato passaram pela fiscalização da Receita Federal e receberam o tratamento aduaneiro e tributário devidos.
A pergunta que se segue é se de fato aumentar a tributação foi o melhor caminho ou outras ações como a redução da carga tributária para as empresas brasileiras poderiam estimular as compras no próprio país. Como se espera para 2026 o aumento do ICMS para 20%, pode a reforma tributária, caso se confirme a aplicação do novo método do cálculo do ICMS (com novo nome IBS) com o cálculo por fora, aliviar um pouco o impacto desse aumento para as próximas compras.
Como alternativa para reduzir o custo final da mercadoria pela aplicação do II e ICMS, cabe cada pessoa analisar o melhor momento para realizar as compras, seja em função de uma promoção, desconto, frete grátis ou partir para uma negociação de preço com o próprio vendedor pelos canais disponibilizados pelas plataformas. Com base nessas estratégias, analisar se ainda compensa comprar via Remessa Conforme.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
RECEITA FEDERAL. Programa Remessa Conforme. Disponível em: https://www.gov.br/receitafederal/pt-br/assuntos/aduana-e-comercio-exterior/manuais/remessas-postal-e-expressa/programa-remessa-conforme-o-que-e-como-funciona. Acesso em 18 de Dez 2024
PLANALTO. Lei Kandir. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lcp/lcp87.htm. Acesso em 19 de Dez 2024