Há quem diga que o Brasil tem se tornado o país das reformas. Muito se falou da Reforma Trabalhista, em 2017, no mesmo ano em que acontecia a Reforma do Ensino Médio. Houve também grandes discussões acerca da Reforma da Previdência, em 2019. E mesmo diante de um complexo ordenamento jurídico, mudanças estruturais ocorrem com frequência no país, com destaque para a Lei das Licitações e da Nova Lei das Falências, ambas de 2021; além da Lei da Liberdade Econômica, de 2019.

Por definição, a palavra reforma nos remete, conforme o dicionário Aurélio da Língua Portuguesa, a uma “nova organização, nova forma”. E é justamente essa nova organização na gestão do próprio negócio que vem sendo exigida das empresas, diante ao início de uma nova reforma: a Tributária.
Embora a Reforma Tributária aconteça em duas etapas, sendo a primeira sobre o consumo, a partir de 2026; a segunda, porém, sobre a renda e patrimônio, em um momento futuro. A pergunta que se faz é o quanto as empresas estão se preparando para as mudanças apresentadas pelo governo.
Por se tratar de uma reforma voltada, em sua primeira etapa, para o consumo, as operações de comércio exterior serão afetadas e, como consequência, para que as empresas que atuam nesse segmento tenham segurança jurídica sobre como vai funcionar o novo modelo de tributação, conhecer essa nova sistemática ajudará na construção de um melhor planejamento tributário.
Observa-se que essa reforma irá mudar substancialmente o modelo atual de tributação sobre o consumo de bens e serviços no país. Logo, pode-se afirmar que, a relação entre empresas e governo quanto à prestação de serviços, ao fornecimento de mercadorias e à atividade industrial que até então se dá de forma descentralizada e em diferentes plataformas, pelo qual se percebe na esfera municipal, cada um dos municípios definindo alíquotas de 2 a 5% de ISS (Imposto Sobre Serviço); na esfera estadual, cada estado e o Distrito Federal definindo alíquotas internas distintas de ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços); e na esfera federal com o PIS/COFNS, IPI e IOF-Seguros, sendo definidos pela União.
Agora, com a reforma busca-se uniformizar e simplificar a legislação, além de adotar um imposto único, chamado IVA (Imposto sobre Valor Agregado), com aplicação de uma alíquota referência, como já é adotado por diferentes países. Se bem que cada estado poderá continuar aplicando alíquotas distintas à alíquota referência.
“Embora a Reforma Tributária aconteça em duas etapas, sendo a primeira sobre o consumo, a partir de 2026; a segunda, porém, sobre a renda e patrimônio, em um momento futuro. A pergunta que se faz é o quanto as empresas estão se preparando para as mudanças apresentadas pelo governo”
Diferente dos outros países que adotam um único IVA, o Brasil, por sua vez, irá adotar um IVA-DUAL, ou seja, o primeiro IVA para os impostos estadual e municipal. Já o segundo, para os impostos federais. Assim, o ISS e o ICMS serão substituídos pelo IBS (Imposto sobre Bens e Serviços), passando a ter a mesma base de cálculo. Enquanto o PIS-COFINS, IPI, IOF-SEGUROS e PIS serão substituído pelo CBS (Contribuição sobre Bens e Serviços).
Além disso, o governo irá aplicar um novo imposto, chamado de IS (Imposto Seletivo), aplicado sobre a comercialização de bens e serviços prejudiciais à saúde e ao meio ambiente.
A projeção inicial considerou uma alíquota referência, aquela aplicada por todos os entes federativos, de IBS 17,7% e de CBS 8,8%, totalizando um IVA-DUAL de 26,5%. Já se espera que essa porcentagem irá subir, embora o próprio governo adote um discurso na manutenção dos 26,5%, o que, por outro lado, implicará a redução de incentivos fiscais para compensar uma queda na arrecadação.
Com a adoção do IVA-DUAL, o imposto passa a ser aplicado pelo método “por fora”, ou seja, pega-se o preço da transação e o multiplica pela alíquota referência, sem considerar o próprio imposto na base de cálculo. Assim temos, como exemplo hipotético, para uma mercadoria que custa R$ 100, a empresa recolheria de IBS, o valor de R$ 17,70 e de CBS, o valor de R$ 8,80. Logo, o consumidor pagaria o valor total de R$ 126,50 (R$ 100 pela mercadoria + R$ 26,50 pelo IVA).
Ainda segundo o que determina a Reforma, o recolhimento do imposto sobre a comercialização de mercadorias deixará de ser recolhido posteriormente, como acontece, por exemplo, com as empresas optantes pelo Simples Nacional, que recolhem o Imposto no mês subsequente. Passa, portanto, a ser recolhido no momento da liquidação financeira.

Em outras palavras, para os mesmos R$ 100, a empresa que apenas destacava o valor de R$ 26,50 referente ao imposto na nota fiscal, mesmo o montante total de R$ 126,50 sendo pago pelo consumidor final no ato da compra. Com a reforma, a empresa deixa de repassar o imposto para o governo posteriormente, já que esse valor será repassado pela instituição financeira diretamente ao governo no ato do pagamento realizado pelo consumidor, seja em uma compra à vista ou a prazo.
Em função disso, o fluxo de caixa da empresa será mais afetado à medida que se deixa de usar o dinheiro do imposto, provisoriamente em caixa, para cumprir com outras obrigações, até o efetivo recolhimento do governo. Dado que o recolhimento do imposto passaria a ser feito no ato da liquidação financeira; logo, a instituição financeira repassaria à empresa somente o valor da transação e ao governo, a parte referente aos impostos.
Nesse momento, entra a figura do Comitê Gestor para administrar a repartição dos impostos aos respectivos entes federativos. E com essa nova estrutura cria-se também uma plataforma de acesso comum a todos os usuários, permitindo que a cada nova transação, o mecanismo de repartição dos impostos, chamado de Split Payment, realize a divisão proporcional do valor devido aos municípios, estados e à União.
Pelo fato de o Imposto ser recolhido em cada fase da cadeia econômica, com a reforma o próprio imposto passa a ser não-cumulativo. Nesse sentido, quando a indústria vende para o atacado, a indústria é quem recolhe o imposto proporcional ao valor da transação dela. Ao revender o mesmo produto para o varejo, o atacado pagará o Imposto proporcional a essa nova fase, mas dessa vez, pode-se utilizar como crédito o valor do imposto já pago pela indústria. Da mesma forma, o varejo quando vender para o consumidor final, ao recolher o imposto, pode-se creditar do valor pago na fase anterior. O ciclo econômico se encerra, pois o consumidor final além de não ser contribuinte do imposto, não irá realizar uma nova operação tributável.
Por essa ótica, o crédito poderá ser compensado de forma automática no ato da liquidação financeira ou manual quando da aquisição de bens e serviços. Caso a empresa opte pelo método do Split Payment, estando no regime regular da CBS e IBS, o crédito poderá ser utilizado na transação comercial do produto que ela esteja comercializando, desde que o imposto, do produto em questão, tenha sido recolhido, efetivamente, por outro contribuinte numa etapa anterior, exceto quando o produto se destine para uso e consumo próprio, assim como nos casos de isenção.
“Ainda segundo o que determina a Reforma, o recolhimento do imposto sobre a comercialização de mercadorias deixará de ser recolhido posteriormente, como acontece, por exemplo, com as empresas optantes pelo Simples Nacional, que recolhem o Imposto no mês subsequente. Passa, portanto, a ser recolhido no momento da liquidação financeira”
Para as operações envolvendo serviços, deve-se observar duas premissas: quando o serviço é prestado para a pessoa física ou por uma empresa optante pelo Simples Nacional, pois o texto da reforma ainda não altera a atual sistemática; não há benefício de crédito tributário. E a segunda situação, prestação de serviço para pessoa jurídica gera crédito tributário para a empresa contratante, independente da natureza do serviço.
Nesse sentido, quando o prestador de serviço é optante pelo Simples Nacional e não aderiu ao regime da CBS/IBS, ao prestar serviço para empresas do Lucro Real ou Presumido, o texto da reforma ainda não o coloca em situação de gerar crédito tributário. Com reflexo, muitas empresas podem optar por prestadores que gerem créditos, ou seja, que estejam no regime regular.
Outro ponto a ser observado no texto da reforma diz respeito ao município que irá recolher o imposto, pois agora considera como local da operação o destino ou o local do domicílio do destinatário. Se o serviço for prestado fisicamente, considera-se o local da prestação do serviço; para o serviço de transporte de cargas, o local de entrega do bem ao destinatário; caso o serviço seja contratado por uma pessoa no exterior, mas com prestador residente no Brasil, considera-se como local de prestação do serviço o domicílio do prestador, entre outras situações apresentadas na reforma.
Ainda no que diz respeito à prestação de serviços, alguns profissionais e prestadores foram contemplados com uma redução que pode chegar até 60% na alíquota referência. O que exige uma melhor análise à medida que, não podendo usufruir dessa redução ou da geração de créditos, reduz a competitividade das empresas, além de trazer mais insegurança para o setor em geral.
Durante o período de transição, as empresas conviverão com duas sistemáticas de tributação, exigindo que as obrigações, tanto a principal quanto a acessória, sejam devidamente atendidas a fim de assegurar o direito ao crédito tributário, bem como a de evitar qualquer descumprimento das obrigações com o fisco.
Para as empresas que realizam operações no comércio no exterior, a reforma trouxe para as plataformas digitais que atuam como intermediária entre o fornecedor – residente no exterior – e o adquirente no Brasil, a responsabilidade do recolhimento do IBS e da CBS relativos às operações de importação seja pelo meio físico ou digital. Logo, as plataformas ficam obrigadas a apresentarem informações relativas as importações realizadas pelo intermédio dela ao Comitê Gestor do IBS/CBS.

Nas importações, as empresas estando ou não no regime regular do IBS/CBS, terão a incidência do imposto sempre na entrada de bens de procedência estrangeira no Brasil, cuja alíquota não difere da aplicada aos bens adquiridos no país.
As exportações, por sua vez, continuam imunes ao IBS/CBS, sendo assegurada ao exportador a apropriação e utilização de créditos relativos às operações sempre que seja o adquirente. Para as operações envolvendo comercial exportadora, os IBS e CBS são suspensos, desde que comprovada a exportadora no período e até 180 dias da data de emissão da nota fiscal.
Já as empresas que se utilizam de regimes especiais, em sua maioria, terão o IBS/CBS suspensos. As empresas que operam na Zona Franca de Manaus não terão suspensão dos benefícios fiscais, diferentes das demais empresas que perdem esse “diferencial competitivo”. Por outro lado, continuam contribuintes do IPI para tudo que for produzido fora da região.
Diante o exposto, a Reforma pretende trazer a simplificação, transparência e previsibilidade na sistemática de tributação sobre o consumo, renda e patrimônio. Embora não se observe uma redução na carga tributária, espere-se que as empresas estejam se preparando para quando o período de transição iniciar, em 2026, os impactos possam ser melhor administrados. Espero que o governo mantenha um diálogo transparente com todos os setores afetados a fim de tornar o processo benéfico para ambos os lados.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CASA CIVIL. Lei Complementar 214, de 16 de Janeiro de 2025. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lcp/lcp214.htm. Acesso em 26 Abr 2025.