Há uma antiga expressão que se tornou popularmente conhecida por causa de uma citação de Benjamin Franklin. Imaginar que ele disse “Remember that Time is Money” ou “Lembre-se que Tempo é Dinheiro” em 1748, ou seja, 44 anos antes da criação do dólar, em 1792; ainda nos faz se perguntar como estamos aplicando nosso dinheiro, ou melhor, como estamos empregando o nosso tempo.
Em um passado recente era uma prática comum as pessoas guardarem o próprio dinheiro debaixo do colchão a fim de protegê-lo ou até mesmo para um uso futuro. Essa prática, porém, foi perdendo espaço à medida que o mercado apresentava opções mais atrativas para “guardar dinheiro”, permitindo que as pessoas usassem o tempo como fator multiplicador do próprio dinheiro. O mercado financeiro trouxe novas possibilidades de ganhos por meio de aplicações e de investimentos, oferecendo desde aplicações em renda fixa e variável, até às opções mais sofisticadas como Offshore. Tendo em vista as novas vertentes difundidas no mercado financeiro, os governos enxergaram novas possibilidades de arrecadação, passando a regulamentar, fiscalizar e, principalmente, a tributar os ganhos das transações ou de operações específicas feitas neste mercado, quer seja das pessoas físicas ou jurídicas.
Os governos, a partir dessa nova dinâmica do mercado, buscaram também oferecer ambientes cada vez mais favoráveis aos investidores e àqueles que buscavam lugares mais seguros para guardarem o próprio dinheiro. Estratégicas como oferecer uma tributação mais favorecida para pessoas não residentes até restrições menos severas em políticas fiscais e financeiras de combate à sonegação de impostos e evasão de divisas levaram alguns países a serem classificados como lugares de risco à ordem tributária e de abuso fiscal às demais nações.
No caso do Brasil, a Receita Federal classifica tais lugares como “países com tributação favorecida” ou, simplesmente, Paraíso Fiscal (Tax Haven). Lembrando que, cada nação é soberana no que tange ao seu próprio regime tributário-fiscal, assim como é assegurado para qualquer pessoa física ou jurídica a liberdade de realizar qualquer transação, ainda que seja em Paraísos Fiscais ou com países assim classificados. Isso quer dizer que, por motivo de força de lei, conforme Emenda Constitucional nº 32, Art. 62, II, é vedado ao governo brasileiro qualquer medida que “vise a detenção ou sequestro de bens, de poupança popular ou qualquer outro ativo financeiro”, cuja origem da fonte não se deu por prática de crimes ou atividades ilegais.
As transações em Paraísos Fiscais, quando realizadas por pessoas não residentes, mesmo não sendo consideradas ilícitas pelo governo brasileiro, passaram a receber um tratamento diferenciado. Existindo uma transação entre pessoas físicas ou jurídicas residentes e domiciliadas no Brasil com qualquer pessoa, ainda que não vinculada, residente ou domiciliada em um país que “não tribute a renda ou a tribute à alíquota inferior a 20%; conceda vantagem de natureza fiscal a pessoa física ou jurídica não residente; não exija realização de atividade econômica substantiva no país; condicione o não exercício de atividade econômica substantiva no país ou dependência; não tribute ou a faz em alíquota máxima inferior a 20%; e não permita o acesso a informações relativas à composição societária, titularidade de bens ou direitos ou às operações econômicas realizadas, conforme Art. 24-A, Parágrafo Único, da Lei Nº 9430/96. Logo, “os rendimentos de qualquer operação, em que o beneficiário seja residente ou domiciliado em país com tributação favorecida, haverá a incidência do Imposto de Renda na fonte à alíquota de 25%”, de acordo com o Art. 8º, da Lei Nº 9779/99.
Sabe-se agora quais são os principais motivadores à incidência do Imposto de Renda à alíquota de 25%. Adicionalmente, a Receita Federal, por meio da Instrução Normativa Nº 1037, relacionou os países ou dependências com tributação favorecida e regimes fiscais privilegiados. Atualmente, essa lista contém 60 países, destacando: Panamá, Irlanda, Hong Kong, Líbano, Emirados Árabes Unidos etc.
Embora o Brasil utilize critérios próprios para classificar um país com tributação favorecida. Numa escala global, a Tax Justice Network, em 2021, realizou um levantamento, com base em 20 indicadores, tais como: Liberdade de imprensa, Índice de Percepção de Corrupção, Classificação de facilidade para fazer negócios, Índice de Complexidade Econômica, Índice de Desempenho Ambiental, Índice de Sigilo Financeiro etc. O objetivo foi criar um Índice de Paraísos Fiscais para apresentar ao mundo os países que são “mais cúmplices em ajudar as corporações multinacionais a pagarem menos o imposto de renda corporativo”. A propósito, o Brasil, neste ranking, ocupa a posição 64.
Importante apresentar algumas atividades sujeitas à alíquota de 25% quando realizadas com país com tributação favorecida, conforme entendimento da Receita Federal, publicado na Instrução Normativa Nº 1455/14.
1. Royalties e serviços técnicos e de assistência técnica e administrativa: As importâncias pagas, creditadas, entregues, empregadas ou remetidas a não residente a título de royalties de qualquer natureza e de remuneração de serviços técnicos e de assistência técnica, administrativa e semelhantes sujeitam-se à incidência do imposto na fonte à alíquota de 15%, ou se recebidos por residente em país com tributação favorecida, à alíquota de 25%;
2. Comissões pagas por exportadores, fretes, afretamentos, aluguéis ou arrendamento de embarcações ou aeronaves, aluguel de containers, sobre-estadia e demais serviços de instalações portuárias: Os rendimentos recebidos de fontes situadas no Brasil, por não residente, relativos a pagamento, crédito, emprego, entrega ou remessa de comissões por exportadores a seus agentes no exterior, de receitas de fretes, afretamentos, aluguéis ou arrendamentos de embarcações marítimas ou fluviais ou de aeronaves estrangeiras, feitos por empresas, desde que tenham sido aprovados pelas autoridades competentes, bem assim de aluguel de containers, sobre-estadia e outros relativos ao uso de serviços de instalações portuárias, sujeitam-se à incidência do imposto na fonte à alíquota de 0%, ou se recebidos por residente em país com tributação favorecida, à alíquota de 25%;
3. Despesas com promoção, propaganda e pesquisas de mercado, aluguéis e arrendamentos: Os rendimentos recebidos de fontes situadas no Brasil, por não residente, relativos a pagamento, crédito, emprego, entrega ou remessa para o exterior de despesas relacionadas com pesquisa de mercado para produtos brasileiros de exportação, bem assim aquelas decorrentes de participação em exposições, feiras e eventos semelhantes, inclusive aluguéis e arrendamentos de estandes e locais de exposição, vinculadas à promoção de produtos brasileiros, e de despesas com propaganda realizadas no âmbito desses eventos, sujeitam-se à incidência do imposto na fonte à alíquota de 0%, ou se recebidos por residente em país com tributação favorecida, à alíquota de 25%;
4. Demais rendimentos: Os demais rendimentos pagos, creditados, empregados, entregues ou remetidos a não residente por fontes situadas no Brasil, inclusive a título de juros sobre o capital próprio, bem assim os decorrentes de cessão de direitos de atleta profissional, solicitação, obtenção e manutenção de direitos de propriedades industriais no exterior, aquisição ou remuneração, a qualquer título, de qualquer forma de direito, e os relativos a comissões e despesas incorridas nas operações de colocação, no exterior, de ações de companhias abertas, domiciliadas no Brasil, desde que aprovadas pelo Banco Central do Brasil e pela Comissão de Valores Mobiliários, sujeitam-se à incidência do imposto na fonte à alíquota de 15%, quando não tiverem tributação específica prevista em lei, ou se recebidos por residente em país com tributação favorecida, à alíquota de 25%.
Deve-se observar, no entanto, “caso o Brasil tenha celebrado tratado para evitar a dupla tributação com o país de residência do contribuinte, o tratado deve ser consultado para verificar a existência de tratamento diferenciado daquele previsto na legislação brasileira”. A exemplo, temos o tratado entre Brasil e Emirados Árabes Unidos (Paraíso Fiscal), conforme Decreto 10.705/21, pelo qual se busca eliminar a dupla tributação em relação aos tributos sobre a renda. Dessa maneira, em determinadas situações os lucros, por exemplo, provenientes da operação de navios e aeronaves no tráfego internacional serão tributáveis apenas no país do contribuinte. Diferentemente dos lucros provenientes das atividades de uma empresa que poderão ser tributados nos dois países, dependendo de como a empresa está estabelecida em cada estado, caso exerça atividades em ambos.
Suponhamos que um agente de carga estabelecido no Brasil, ao fazer o agenciamento de uma importação vinda de Hong Kong, na condição Collect, irá remeter o pagamento do frete internacional para o representante dele neste país. No primeiro momento, a receita de frete a ser remetida ao exterior estaria sujeita à alíquota zero, ou seja, sempre que o beneficiário for um residente ou domiciliado no exterior “a alíquota do imposto de renda na fonte incidente sobre os rendimentos auferidos no País fica reduzida para zero” em decorrência “de receitas de fretes, afretamentos, aluguéis ou arrendamentos de embarcações marítimas ou fluviais ou de aeronaves estrangeiras ou motores de aeronaves estrangeiros”, conforme Art. 1º, I, da Lei Nº 9481/97.
No entanto, tratando-se de um país com tributação favorecida, qualquer remessa para o exterior, cujo beneficiário esteja domiciliado em Hong Kong, neste exemplo, haverá incidência de imposto de renda na fonte à alíquota majorada de 25%, ou seja, “Incide o imposto de renda na fonte à alíquota de 25% sobre as importâncias remetidas ao exterior para o pagamento de transporte internacional se a pessoa física ou jurídica beneficiária do pagamento for residente ou domiciliada em país ou dependência que não tribute a renda ou que a tribute à alíquota máxima inferior a 20%”, conforme entendimento da Solução de Consulta COSIT Nº 46/2015.
Importante ressaltar que se deve considerar a base de cálculo do imposto por dentro, ou seja, a alíquota majorada de 25% representa 33,33% na base de cálculo (100 / 75% = 133,33 – 100 = 33,33%). Em outras palavras, se o montante do frete a ser remitido para o representante em Hong Kong, conforme endereço constado no conhecimento de transporte internacional, for USD 35,000.00. Logo, o Imposto de Renda retido na fonte será 35,000 x 33.33 = USD 11,665.50.
Imaginemos uma segunda situação da qual uma pessoa física residente e domiciliada no Brasil, com o objetivo de diversificar a carteira de investimentos, decide investir em um fundo imobiliário no exterior. Antes, vale destacar que devido ao fato de a Medida Provisória Nº 1171/23 ainda está em fase de tramitação no Congresso Nacional; não será, portanto, embasamento de análise. Logo, “os dividendos, bonificações em dinheiro, lucros e outros interesses, quando pagos ou creditados a pessoas físicas ou jurídicas, residentes ou domiciliadas no País, estão sujeitos à incidência do imposto de renda na fonte à alíquota de quinze por cento (ou 17.65%)”, conforme Art. 2º, da Lei 8849/94. O imposto descontado, porém, será “deduzido do imposto devido na declaração de ajuste anual do beneficiário pessoa física, assegurada a opção pela tributação exclusiva”, conforme Art. 33, Art. 2, § 1º, da Lei 8849/94.
Nada impediria, por exemplo, dessa mesma pessoa constituir uma empresa no exterior, chamada de Offshore, para fins de melhor administração dos investimentos. Logo, todos os rendimentos auferidas por essa empresa seguiriam os princípios fiscais e tributáveis do país na qual está localizada, sendo somente passível de tributação quando o lucro ainda que direto (saque de valores, por exemplo) ou indiretamente (pagamento de despesas pessoais, por exemplo) fosse remitido para a pessoa física no Brasil. Nesse caso, a alíquota do imposto poderia chegar até 27,5%. Lembrando que “o contribuinte que houver recebido rendimentos de fonte situada no exterior, incluídos na base de cálculo do recolhimento mensal obrigatório (carnê-leão), pode compensar o imposto pago nos países com os quais o Brasil possui acordos, convenções ou tratados internacionais ou naqueles em que haja reciprocidade de tratamento em relação aos rendimentos produzidos no Brasil, desde que não sujeitos à restituição ou compensação no país de origem”, conforme Art. 65, § 2º, da Instrução Normativa Nº 1500/14 RFB.
Diante os fatos mencionados, fica-nos claro que o mercado oferece inúmeras possibilidades de ganhos para todos aqueles que nele operam. Cabe, portanto, a cada operador buscar as melhores estratégias cujos resultados não firam os princípios legalmente reconhecidos pelos países. Caso uma transação receba um tratamento diferenciado, o planejamento tributário e fiscal das empresas poderá reduzir as perdas de competitividade do produto ou do serviço devido o pagamento a mais de impostos como se observa nas transações realizadas em paraísos fiscais ou com empresas lá situadas. Espera-se que haja um equilíbrio nos interesses entre o setor pr
ivado e público.