Ela parecia flutuar em duas realidades distintas enquanto as gotas de chuva caíam à sua volta, molhando sua face, seus cabelos, o vento gelado fechando seus olhos.
Havia muito não se sentia distante de tudo o que lhe importava; ela apenas desejava poder voltar à sua versão anterior, inconsequente, leve. Liberta de seu próprio julgamento.
“São universos diferentes”, alguém lhe disse. São universos que, vez ou outra, convergem entre si, deixando-a encurralada, incapaz de avançar ou de retroceder para qualquer um deles.
Ela já não sabia se acontecera de fato; a vertigem, a mentira, as recaídas. Parecia flutuar em seus braços enquanto sua essência se esvaía – tivera somente um momento para vislumbrá-lo como realmente era; livre da opressão, dos anseios e receios dos demais, de sentir o gosto em sua língua antes que se dissolvesse.
Aprisionada em sua própria mente, onde as estrelas acariciavam ternamente sua pele enquanto o crepúsculo ascendia em tons rosados em contraste com o céu acinzentado, repleto de nuvens, que contemplava com seus olhos apáticos.
Ela não queria sair de sua fantasia; tampouco poderia viver naquele mundo surreal, pois havia algo que a ligava à sua verdadeira realidade, mesmo que fatídica.
Aprisionada entre a floresta de seu conto de fadas e a cidade que chorava, lamentando sua dor enquanto as pessoas passavam apressadas para mais um dia na rotina que os corrompia, alheias ao fato de que faziam parte da inexistência; logo todos eles se esvairiam, assim como ele de seus pensamentos, suas risadas se tornaram ecos de suas mãos agora vazias.
E então não havia mais nada, nenhuma realidade paralela, universos convergentes ou alguém para viver as loucuras do outro.
Ao menos, até um deles fechar novamente os olhos.
Até o céu aparecer em seus sonhos mais uma vez, as nuvens dispersas, sem neblina, apenas fumaça. Queimando de medo, volúpia, a seda sussurrante, suas vidas se encontrando em meio aos beijos, afastando-se com os toques. Eles apenas seriam felizes, mas estariam condenados. Perdidos, com os pés no chão.
Paula Kilesse cursa Sistemas de Informação e é autora do blog Tempo de Cappuccino, onde escreve poemas e contos baseados (ou não) em sua realidade. A coluna Distopia tem como objetivo expandir seu universo, levar suas histórias para a população da cidade e indicar trabalhos similares ao seu; que destoam do usual.