Nas últimas décadas, o uso de testosterona por mulheres tem se tornado cada vez mais comum, muitas vezes com promessas de emagrecimento, rejuvenescimento, aumento de energia, disposição ou ganho de massa muscular. Mas será que essas promessas têm respaldo na ciência, será que é seguro?

No início de maio, três das principais entidades médicas do país — a Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM), a Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (FEBRASGO) e o Departamento de Cardiologia da Mulher da Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC) — divulgaram uma nota conjunta com orientações claras sobre o uso da testosterona em mulheres.
O recado é direto: a única indicação cientificamente reconhecida para o uso de testosterona na mulher é no tratamento do transtorno do desejo sexual hipoativo e apenas em mulheres na pós-menopausa, e já em reposição com estrogênio e progesterona quando indicada. Devemos ressaltar que parte do estrogênio utilizado na reposição hormonal na menopausa é metabolizado no organismo em testeosterona, suprindo essa queda natural. Mesmo nesse caso, a terapia só deve ser considerada após investigação completa de outras causas para a baixa libido, como depressão, medicamentos, alterações hormonais ou questões emocionais, estresse e do relacionamento conjugal.
A nota também esclarece que não existe um exame laboratorial confiável para diagnosticar uma suposta “deficiência de testosterona feminina”. A dosagem desse hormônio em exames de sangue não serve como base para prescrição em mulheres saudáveis. Além disso, os níveis de testosterona diminuem de forma natural e gradual ao longo da vida da mulher, e não sofrem uma queda brusca com a chegada da menopausa. As indicações de dosagem são nas mulheres com sinais de excesso hormonal , ou seja com hiperandrogenismo e nas que fazem reposição para acompanhamento do uso, mas nunca como indicação para o início do uso.
Outro ponto de destaque é que não há, no Brasil, nenhuma formulação de testosterona aprovada pela Anvisa para uso em mulheres. Muitas vezes, são utilizados implantes ou géis manipulados, vendidos como “naturais” ou “bioidênticos”. Esses produtos, porém, não são isentos de riscos — podendo causar acne, aumento de pêlos, queda de cabelo, alterações no colesterol, problemas hepáticos e até efeitos de masculinização. Além disso, não existe evidência de que a testosterona previna doenças cardíacas, melhore o humor ou promova emagrecimento.
“Vivemos uma era marcada pela busca por soluções rápidas e milagrosas para fins estéticos e para o emagrecimento. Nesse cenário, a testosterona vem sendo, de forma inadequada, promovida como um recurso para transformar o corpo feminino, ignorando os riscos sérios à saúde.” A medicalização da beleza não pode substituir o cuidado integral com o bem-estar da mulher, que deve ser baseado em escolhas conscientes, seguras e fundamentadas na ciência.
Nos últimos anos, observamos também uma crescente divulgação entre a população de métodos terapêuticos baseados no uso de suplementos como vitaminas, minerais, aminoácidos e outras substâncias, muitas vezes com fins estéticos, de melhora da imunidade ou desempenho esportivo.
As intervenções médicas sempre devem se basear nas melhores evidências científicas disponíveis, que comprovem que os benefícios de um tratamento superam seus riscos. O uso de terapias ainda não aprovadas para uso no país é vedado sem autorização dos órgãos competentes e sem o consentimento informado do paciente — que precisa compreender claramente os riscos, limitações e possíveis consequências do que está sendo proposto.
Além disso, é fundamental estar atenta ao profissional que conduz seu tratamento. Busque sempre médicos com RQE (Registro de Qualificação de Especialista), que indica formação reconhecida em uma especialidade. Questione e reflita sobre o excesso de exames, as promessas de reposições hormonais, de vitaminas ou de “soroterapias” sem base científica.
Como médica, reforço o que as sociedades científicas já afirmaram: não se deve usar testosterona com fins estéticos ou sem indicação médica formal. A saúde da mulher deve ser tratada com responsabilidade, ética e ciência e não com promessas vazias de fórmulas milagrosas.
Antes de iniciar qualquer tratamento hormonal ou metabólico, converse com seu médico de confiança, com formação adequada e compromisso com a sua saúde real. Cuidar do seu bem-estar não significa correr riscos desnecessários.
Dra. Priscilla Rossi Baleeiro Marcos
Ginecologista – CRM-MG 44.478 RQE25.092 / TEGO 326/2011