Durante os últimos dias, a Biblioteca Pública Municipal de Sete Lagoas tem sediado a Semana da Poesia – Rima, Ritmo e Expressão. Uma programação rica em bate-papos e contação de histórias propiciou também um encontro especial na segunda-feira (24). O músico e compositor David Abreu pôde apresentar sua “Canção da Redenção” para o público ao lado de Dona Mariza da Conceição Pereira, referência literária em Sete Lagoas, e do mestre de cultura popular Paulinho do Boi. David Abreu fez a canção a alguns anos quando ouviu a história do Teatro Redenção contada por Dona Mariza da Conceição.

“Semanas antes David Abreu veio até o ponto de cultura Quintal Boi da Manta, pedindo para que o levássemos até a casa de Dona Mariza. Ele queria conhecê-la e apresentar-lhe uma música que escreveu anos atrás, quando Dona Mariza, na Casa Da Cultura, contou a história da escravizada ‘Generosa’ sendo leiloada no lote vago ao lado do Mercado Municipal (Mercadão), no final do século XIX, arrematada e liberta em seguida por Dr. Avelar (estudante de medicina na época) que a defendeu mostrando a Lei do Ventre Livre”, conta Paulinho do Boi.
“De um lado uma mulher extraordinária, intelectual e entusiasta de mais da metade dos artistas da cidade. A maioria bebeu na fonte de Mariza da Conceição, seja no Clube de Letras, nas noites do Serão Poético ou, em algum outro momento. Do outro, um dos mais legítimos artistas lançados em Sete Lagoas, David Abreu traduz em sua arte um amor e respeito infinito com nossa gente. Eu o chamo de ‘Cantadô das Alegrias'”, complementa Paulinho.
Ele complementa:
“O menino David, estudante e aprendiz de violão, tocado pela história narrada por dona Mariza, escreveu uma música contando sobre o leilão. Na letra e melodia de David, a escravizada e o seu redentor, Dr. Avelar, travam um diálogo de gratidão. Tive a oportunidade de ver o encontro de Mariza da Conceição Pereira e de David Abreu ao som do violão tocando e embalando melodicamente a ‘história que a história não conta’. Entre lágrimas, na mesa de sua residência, nos servimos de afeto, poesia e esperança. Saímos dali na expectativa de um novo encontro.”
“Mostrei o vídeo do encontro para Cláudia Micheline e Lígia Valadares. Veio a Semana da Poesia de Sete Lagoas e nos fez encontrar de novo, dessa vez para uma plateia de pouco mais de 50 pessoas na biblioteca. Revivemos, respiramos em ritmo, rima e expressão, ao som de David Abreu contemplando a palavra de Dona Mariza da Conceição Pereira. Tudo virou esperança, tudo se transformou em vivência profunda de uma cidade que a cidade não conhece mas sente. Todos nós, presentes no momento, viramos presentes uns para os outros… Viva a Cultura de Sete Lagoas!”
Eis a letra da canção:
CANÇÃO DA REDENÇÃO (David Abreu)
I.
Naquele tempo existia
Como que mercadoria
Em vitrine a se expor
Triste comércio de gente
E a trazer seu dependente
Dita “mocinha de cor”
Num tormento que lhe parte
A esperar quem a arremate
Pra mucama de um solar
E sem poder se opor
Quisera ainda o vendedor
De seu pequeno a apartar
“Sinhô” que vejo aqui
Chegando devagar
“Sinhô”, não deixe de
Meu filho me afastar
A solidão
Meu coração
Vai cativar
II.
Observara de lado
Senhorzinho estudado
Pretendia ser doutor
Que chegara de viagem
Ao notar que ali se fazem
Ouvidos de mercador
Sob seu conhecimento
E altivez, mostrou-se atento
Em discurso a exclamar:
A Lei do ventre livre
Rege a vós que este livre
Do trabalho flagelar
“Sinhô” que vejo aqui
Chegando devagar
“Sinhô”, não deixe de
Meu filho me afastar
A solidão
Meu coração
Vai cativar
III.
Senhor que a todos escuta
Com a voz em tom de disputa
Argumenta pra munir-se
Com firmeza ele acena
Dá o maior lance da arena
Embora, um porém não visse
Não tinha nem um vintém
Mediador deu-lhe, por bem,
Um prazo complementar
Avia-te, não demora
Que amanhã na mesma hora
Dou-a a quem arrematar
“Sinhô” que vejo aqui
Chegando devagar
“Sinhô”, não deixe de
Meu filho me afastar
A solidão
Meu coração
Vai cativar
IV.
Recorrendo ao pai sensato
Relatando o filho o fato
Que a resposta dera então
Sei que ousastes, não embuço
Busque-a, se preciso a pulso
Pague o valor do leilão
E num gesto redentor
Põe-se o futuro doutor
A velar pela mulher
Dizendo a ela enfim:
A liberdade dar-te vim
Minha gente bem lhe quer
“Sinhô” que tens
Em teu destino o resgatar
“Sinhô”, quisestes
Em teu lar nos abrigar
E a redenção
Meu coração
Alforriar
O encontro foi registrado por Rose Carvalho que gentilmente cedeu as imagens ao SeteLagoas.com.br e pelas quais agradecemos:
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*Atualizada às 19:22 – 28/03/2025