Desde o início da pandemia de covid-19, têm se tornado cada vez mais frequentes nos cartórios de notas do Brasil os registros de diretivas antecipadas de vontade (DAVs) feitas por pessoas que desejam proteger sua imagem e voz, devido ao avanço da inteligência artificial (IA).
De acordo com a vice-presidente do Colégio Notarial do Brasil seção Rio de Janeiro, Edyanne de Moura Frota Cordeiro, tabeliã titular do 7º Ofício de Notas, os tabelionatos já registraram cerca de 5 mil DAVs em todo o país nos últimos três anos. No estado do Rio de Janeiro, foram feitas 107 escrituras sobre direitos digitais, sendo 31 somente nos primeiros seis meses deste ano. A maior quantidade de registros está concentrada nas regiões Sudeste e Sul.
O assunto ganhou destaque recentemente após a aparição da cantora Elis Regina em um comercial da Volkswagen, cuja imagem foi recriada usando inteligência artificial, mesmo após sua morte em 1982. Situações semelhantes ocorreram com o ator americano Paul Walker, que faleceu em 2013, mas teve sua imagem recriada por computação gráfica para concluir um filme, e a cantora Madonna, que alterou seu testamento para proibir o uso de hologramas após sua morte. Esses casos chamaram a atenção da sociedade para a necessidade de regulamentar os direitos digitais.
Edyanne Cordeiro destacou a importância de distinguir entre os instrumentos legais para proteger esses direitos. Para preservar obras e direitos após a morte, como letras de música, imagens e voz, o instrumento adequado é o testamento, que só se torna eficaz após a morte da pessoa. Por outro lado, se a preocupação é durante a vida, as DAVs são o instrumento apropriado. Essas diretivas permitem que pessoas vivas protejam seus direitos de voz ou imagem em situações inesperadas, como problemas de saúde, acidentes, hospitalização sem discernimento ou coma. Edyanne Cordeiro enfatizou que muitas pessoas desconhecem a existência desse instrumento.
Os direitos digitais também são objeto de um Projeto de Lei (PL) 3.592/2023, de autoria do senador Rodrigo Cunha (Podemos/AL), que visa estabelecer regras para a utilização de imagens e recursos digitais, principalmente no caso de pessoas já falecidas. O projeto exige o consentimento prévio e expresso da pessoa em vida ou dos familiares mais próximos para o uso de sua imagem por meio de inteligência artificial. A falta de autorização pode resultar em ações legais por danos morais e materiais.
A tabeliã alertou que herdeiros também podem ser vítimas de uso indevido de imagem e voz de parentes e podem buscar indenização por esse motivo.
Para solicitar uma DAV, a pessoa interessada pode comparecer a um cartório de notas com documentos pessoais ou fazer o procedimento em uma plataforma digital nacional administrada pelo Conselho Federal do Colégio Notarial do Brasil. O processo eletrônico permite que o cidadão escolha o cartório de notas de sua preferência, agende uma videoconferência com o tabelião de notas e assine a escritura eletronicamente por meio de um certificado digital gratuito, que é válido apenas para questões de cartório. O custo médio para fazer uma DAV no estado do Rio de Janeiro é de cerca de R$ 300, mas o preço pode variar dependendo do conteúdo da diretiva. Para testamentos, o valor tende a ser mais alto.
O testamento público é um documento em que uma pessoa, chamada testador, declara como deseja deixar seus bens após sua morte. Ele requer a presença de duas testemunhas que não podem ser herdeiras ou beneficiadas pelo testamento, além dos documentos de identidade de todas as partes envolvidas. A presença de um advogado é opcional. O documento pode ser alterado e revogado enquanto o testador estiver vivo e lúcido, mas só tem validade e publicidade após sua morte.
O Colégio Notarial do Brasil – Seção Rio de Janeiro representa os tabelionatos de notas do estado e faz parte do Conselho Federal do Colégio Notarial do Brasil, que é filiado à União Internacional do Notariado (UINL). Essa entidade não governamental reúne notários de 88 países e desempenha um papel fundamental na conferência de publicidade, autenticidade, segurança e eficácia aos negócios jurídicos pessoais e patrimoniais, contribuindo para a desjudicialização.
Da Redação com Agência Brasil