Documentos exclusivos obtidos pelo G1, protocolados entre maio e julho deste ano nas promotorias de Justiça de diferentes municípios, apontam para a existência de um esquema de fraude em licitações para exploração de serviços de transporte coletivo em pelo menos 19 cidades de sete estados e do Distrito Federal, entre as quais Sete Lagoas, localizada a cerca de 75 quilômetros de Belo Horizonte.
Conforme troca de e-mails aos quais o G1 teve acesso e investigações de promotores, a Logitrans, empresa da qual o engenheiro Garrone Reck foi sócio, era contratada pelas prefeituras para fazer estudos de logística e projeto básico de mobilidade, enquanto o filho dele, Sacha Reck, advogava para empresas interessadas.
De acordo com as investigações, com apoio de funcionário da prefeitura, Sacha Reck tinha acesso antecipado ao edital e, inclusive, ajudava na elaboração do documento.
Os documentos permitem deduzir que o esquema existe, pelo menos, desde 2007 e favoreceu, principalmente, empresas de duas famílias – Constantino e Gulin.
O suposto esquema em Sete Lagoas (MG)
E-mails obtidos pelo G1 indicam que Sacha Reck elaborou, em 2007, edital de licitação para transporte alternativo na cidade de Sete Lagoas em conjunto com empresários ligados à empresa Turi, concessionária de transporte público na cidade desde 1991.
Nova licitação foi realizada em 2015 e, novamente, a Turi, de propriedade da família, Constantino, venceu a concorrência e poderá operar por mais 15 anos.
O que indicam os e-mails
E-mail do dia 20 de agosto de 2007 indica que Sacha Reck elabora uma minuta do edital em nome da Prefeitura de Sete Lagoas e repassa o documento a sócios de empresas da família Constantino, entre as quais da Turi Transporte Urbano Rodoviário.
Na mesma mensagem, o advogado pede aos empresários “sugestões” a serem apresentadas até 22 de agosto de 2007.
“Em anexo, segue primeira minuta do edital para transporte alternativo. Foi adotado o tipo de licitação melhor técnica, com tarifa definida no edital. […] Novas sugestões serão muito bem-vindas. Aguardo sugestões e correções na minuta quarta-feira, dia 22/08/2007, dada a urgência solicitada pelo Município. Pretendo finalizar o documento, no máximo, até sexta-feira”, diz Sacha Reck em e-mail endereçado a Rogério Constantino, diretor da Turi Transporte Urbano Rodoviário, que participa do certame, e da Pássaro Verde, outra empresa do grupo Constantino.
Em 27 de abril de 2009, Gilberto Beraldo, advogado da Pássaro Verde, empresa do grupo Constantino, diz a Sacha Reck que marcou reunião com funcionários da prefeitura para tratar da licitação.
“Prezado Dr. Sacha. O Sr. Roberto Samuel conseguiu marcar uma reunião para o dia 05/05/2009, às 14:00h com o Jurídico e Assessor do Prefeito para conversamos sobre a licitação e outros assuntos de interesse. Favor informar possibilidade de estar presente… Sua presença é fundamental”, diz.
Versão dos envolvidos
O secretário municipal de Segurança, Trânsito e Transporte de Sete Lagoas, Sílvio Augusto de Carvalho, disse ao G1 que não houve licitação para o transporte público na cidade em 2007.
Em 2012, foi feito o edital 06/2012 para a concessão do transporte público na cidade, mas tal procedimento chegou a ser suspenso pelo Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais em julho de 2012, após irregularidades identificadas pelo tribunal. A Secretaria de Segurança, Trânsito e Transporte disse que a prefeitura cancelou o edital por causa das adequações necessárias.
Em 2014, foi lançado o edital 09/2014, que também foi cancelado por supostas irregularidades. Após correções, a secretaria explica que lançou o edital 26/2014, que corrigia os problemas encontrados nos procedimentos anterior.
De acordo com a secretaria, em 2015, a empresa Turi Transporte Urbano Rodoviário e Intermunicipal, que já tinha concessão do serviço na cidade, sagrou-se vencedora da licitação. O valor estimado do contrato, que tem duração de 15 anos, é de R$ 396.956.890,59, segundo a secretaria.
Ainda segundo a pasta municipal, três empresas participaram do processo, sendo que uma delas foi desclassificada e duas chegaram até o final, dentre elas a Turi. A partir de 2013, a prefeitura contratou a Geraldo Spagno e Advogados Associados, empresa de Belo Horizonte, para emissão de pareceres e laudos jurídicos referentes ao edital.
Há um processo em curso no Tribunal de Justiça de Minas Gerais, que começou em janeiro de 2015, sobre “flagrante ilegalidade, uma vez que contempla cláusulas restritivas da competitividade”. Segundo o processo, a Comissão de Licitação na cidade deu início ao edital mesmo sem a correção das irregularidades apontadas pelo Tribunal de Contas de Minas Gerais em novembro de 2014.
De acordo com o TCE-MG, o conselheiro do TCE-MG Mauri Torres, relator do processo, atestou em setembro de 2015 que as irregularidades identificadas pelo Ministério Público de Minas Gerais sobre o edital 26/2014 foram sanadas e revogou a suspensão do processo licitatório.
O processo judicial encontra-se para vista da Procuradoria da Fazenda Municipal de Sete Lagoas.
O G1 procurou o procurador-geral do Município, Helisson Rocha, que informou que todos os esclarecimentos seriam prestados pela Secretaria Municipal de Segurança, Trânsito e Transporte.
Como o processo está na Procuradoria de Sete Lagoas, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais não pôde informar a fase em que se encontra.
A Turi Transportes consta, no andamento processual no site do TJMG como ré, assim como a Prefeitura de Sete Lagoas e a Comissão Permanente de Licitação.
Procurada pelo G1, a Turi negou irregularidades no processo licitatório 26/2014. A empresa afirma que cumpriu todos os requisitos presentes no edital e respeitou todas as cláusulas. A Turi também disse que o processo foi “transparente e a empresa saiu vencedora ao final”.
Com G1