“Morre lentamente quem não arrisca o certo pelo incerto para ir atrás de um sonho, quem não se permite pelo menos uma vez na vida, fugir dos conselhos sensatos.” A frase é do poeta Pablo Neruda e ilustra a vida de quem precisa lutar em dobro por direitos e reconhecimento, e seguir sonhando mesmo perante a triste realidade.
Nesta terça-feira (29), é celebrado no Brasil o Dia da Visibilidade Trans – grupo que engloba travestis, bem como homens e mulheres trans. A data é comemorada desde 2004 quando um grupo de ativistas trans participou do lançamento da primeira campanha contra a transfobia, “Travesti e Respeito: já está na hora dos dois serem vistos juntos”, lançada pelo Ministério da Saúde.
Quinze anos depois, o lema da população trans continua sendo o mesmo – “Resistir pra existir, existir pra reagir”. Em comemoração a este dia, o Site SeteLagoas.com.br traz aos leitores duas histórias de pessoas trans que possuem vínculos com a cidade e são exemplos de luta e sinônimo de conquistas. Acompanhe:
Samantha Taylor Francisco tem 37 anos, é mulher trans e trabalha autonomamente como transformista. Nasceu em Sete Lagoas e atualmente mora em Campinas. Leia a história de Samantha:
Minha historia de vida no início não foi muito fácil. A decisão de me transformar para ser o que sou hoje foi difícil. Passei por várias cirurgias para chegar aqui e toda mudança em meu corpo envolveu muito dinheiro. Minha família, ao contrário de muitas, sempre me apoiou em todas as minhas decisões. Lembro-me perfeitamente quando fui colocar a prótese mamária, minha mãe e meus irmãos ficaram do meu lado durante todo o tempo na clínica.
Achei lindo o apoio de toda minha família!
Mesmo com a lei aprovada (decreto presidencial, publicado em abril de 2016, que autorizou o uso do nome social e o reconhecimento da identidade de gênero de travestis e transexuais no âmbito da administração pública federal), a mudança de nome não foi fácil. Tive muitos gastos e imensa burocracia, mas como sou brasileira não desistir é meu lema.
Graças a Deus, hoje está oficializado em cartório o meu novo nome. Nasci outra vez.
Conquistei tudo que uma trans almeja ter e ser. Ainda conquistei meu espaço na sociedade e principalmente, o respeito de toda minha família. Hoje sou conhecida em Sete Lagoas (onde tudo começou) e região. Sigo lutando por mais respeito, amor e menos ódio no coração de pessoas preconceituosas.
Ainda vai demorar muito pra que nós trans possamos ser vistas na sociedade como pessoas “normais”. Progresso é o que todas nós trans esperamos, mas creio que será difícil. Entristeço-me quando vejo sede de vingança, quando na verdade cada um deveria viver sua vida como quisesse e bem escolhesse.
O maior desafio é fazer com que nos enxerguem e nos respeitem como seres humanos e não como bichos jogados às traças.
Então, deixo o meu recado a todas trans: não desistam de seus sonhos. Querer é poder. Basta lutar pra que os sonhos se realizem, ainda que em nossos caminhos haja mais espinhos do que flores.
Faça sempre das pedras que lhe atirarem, o seu castelo.
Nayara Henriques Maia tem 36 anos, é mulher trans e microempreendedora na área de designer de sobrancelhas. Nasceu em Igarapé e atualmente mora em Sete Lagoas. Leia a história de Nayara:
Moro há quase 13 anos em Sete Lagoas e já me considero uma cidadã sete-lagoana. Me assumi gay aos 16 anos de idade. Na ocasião, ainda não tinha conhecimento sobre transexualidade. Achei que tiraria um peso das minhas costas, mas continuei carregando o fardo porque na verdade nunca me reconheci como gay. Eu sou uma mulher. E, para ser essa mulher, tive que sair de casa porque infelizmente minha família não me aceitou. Passei por inúmeras dificuldades.
Minhas maiores conquistas, primeiro foi a inserção no mercado de trabalho. Infelizmente, as pessoas têm uma imagem muito negativa da mulher trans e isso faz com que a gente tenha dificuldade para conseguir emprego. A mídia mostra muito as coisas negativas que as mulheres trans fazem, nunca mostra as que dão certo, e isso influencia muito.
Então, é uma vitória eu ter conseguido emprego, ter me tornado referência hoje no que faço na cidade. A minha outra conquista mais recente, foi ter conseguido colocar nos meus documentos o meu nome e o gênero a qual pertenço.
Algo que não consegui e ainda luto por isso é que as pessoas comecem a enxergar umas as outras apenas como pessoas. Viver em um mundo sem preconceito é o que gostaria de ainda conquistar.
Talvez eu não viva para isso, mas quem sabe as futuras gerações possam colher os frutos que plantamos hoje.
O Dia da Visibilidade Trans é uma data em que a gente consegue ter o olhar da mídia e da sociedade voltados para a causa que geralmente passa despercebida. Mas, costumo dizer que todo dia é o dia da visibilidade trans.
O simples fato de eu estar completando este ano, se Deus quiser, 37 anos e está superando a expectativa de vida da mulher trans brasileira que é de até 35 anos, pra mim já é uma visibilidade e tanta. Para mim, o mais difícil continua sendo mostrar para sociedade que somos mulheres, uma vez que ainda somos vista como gays.
Quando você diz que preto é preto e branco é branco, é para separar. Mas, no fundo todo mundo é gente, é ser humano.
A gente evoluiu muito em relação a alguns aspectos, mas tem retrocedido muito em relação a outros. As mortes causadas por transfobia no Brasil é recorde no mundo. Isso faz parte de um retrocesso. Em contrapartida, temos avanços como essa questão do nome social, que diminuiu muito o constrangimento.
Acho que na mesma medida em que a gente avança, a gente retrocede. Então, acabamos não saindo do lugar.
Estatísticas
A Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra) lançou um dossiê em parceria com o Instituto Brasileiro Trans de Educação (IBTE) que apresenta dados de assassinatos e violência contra travestis e transexuais no Brasil em 2018.
De acordo com o documento, ocorreram 163 assassinatos de pessoas trans. Destes, 158 eram travestis e mulheres trans, 4 homens trans e uma pessoa não binária. Segundo a Antra, apenas em 15 casos os suspeitos foram presos, o que representa somente 9% das ocorrências.
Visibilidade Trans Sete Lagoas
O Movimento Cultural e de Militância LGBT de Sete Lagoas (MGSeven) realiza uma ação por meio das redes sociais neste dia da Visibilidade Trans.
Segundo Fabiano Santana, um dos fundadores do MGSeven, durante o dia, a página oficial do movimento publicará fotos e frases de transexuais da cidade que lutam e fazem parte dessa campanha.
Acesse a página do MGSeven AQUI e acompanhe as publicações.
Por Nubya Oliveira