Durante a semana de 13 a 19 de novembro, uma onda de calor assolou diversas regiões do Brasil, registrando temperaturas de 1°C a 4°C mais altas do que teriam sido historicamente. Embora variações climáticas ao longo do tempo sejam normais, a emissão de gases do efeito estufa pode ter exacerbado os impactos desse evento, oitavo do ano, que estabeleceu um recorde de temperatura no país, atingindo 44,8°C em Araçuaí (MG).
Conforme um relatório da ClimaMeter, plataforma desenvolvida pela equipe do laboratório de ciências do clima e do ambiente da Universidade Paris-Saclay, na França, que agora inclui cientistas de várias universidades europeias, o estudo se concentra em analisar, de maneira ágil, eventos extremos logo após sua ocorrência, como essa onda de calor recente.
A análise da ClimaMeter revela que, além de temperaturas mais elevadas, as ondas de calor têm se tornado mais secas, com menos vento, e se associam a um aumento na pressão atmosférica. Esse clima mais quente e seco fortalece zonas de alta pressão, como a observada durante a onda recente, impedindo a aproximação de frentes frias carregadas de umidade e chuvas.
Observou-se também que esses eventos têm sido mais frequentes em novembro do que em outubro e dezembro, concentrando a análise nas cidades de São Paulo, Rio de Janeiro e Corumbá (MT). A comparação foi estabelecida entre eventos atuais, de 2001 a 2022, e os do período anterior, de 1979 a 2000, considerando a expansão do monitoramento de variáveis climáticas por satélite a partir do ano 2000.
Além dos fatores mencionados, o relatório indica que as variações naturais de temperatura nos oceanos, como as oscilações decadais do Pacífico e multidecadais do Atlântico, podem ter influenciado a intensidade dessa onda de calor, afetando a pressão atmosférica e, consequentemente, a formação de sistemas climáticos como ciclones ou anticiclones.
Para compreender o impacto humano, o estudo utiliza dados de temperatura, chuva e vento. O pesquisador Davide Faranda, do Conselho Nacional de Pesquisa Científica da França e líder da ClimaMeter, destaca que a variabilidade natural orienta os padrões de pressão atmosférica, sendo a base para a ocorrência das ondas de calor. No entanto, ele ressalta que o aumento da concentração de CO2 na atmosfera contribui para elevações de temperatura, combinadas com menor quantidade de chuvas devido a mudanças climáticas.
O relatório está alinhado com as previsões do relatório de 2021 do IPCC (Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas da ONU), que aponta para o aumento da frequência e intensidade de ondas de calor na América do Sul, expondo populações urbanas a condições extremas de calor.
Os efeitos desiguais da onda de calor foram evidenciados especialmente em áreas densamente urbanizadas, como favelas, mostrando impactos distintos de acordo com classes sociais e econômicas. Manifestações em São Paulo contra a falta de luz e a Rocinha, a maior favela do Rio de Janeiro, sem energia elétrica por pelo menos dez dias, demonstram essa disparidade.
Considerando a tendência de eventos extremos serem mais frequentes e intensos, Faranda ressalta a necessidade de adaptar as estruturas urbanas e aumentar a capacidade de assistência às populações mais vulneráveis. Ele salienta que agir diante desses desafios é crucial neste momento.
O estudo da ClimaMeter, conforme destacado pelo pesquisador, não busca uma atribuição direta de responsabilidade pela ação humana nos eventos climáticos extremos, evitando apontar vetores exclusivos para um único fator. A intenção é observar as influências mútuas da variabilidade natural e das mudanças climáticas induzidas pelo homem, reconhecendo a complexidade do fenômeno climático.
Da Redação com O Tempo