O Supremo Tribunal Federal (STF) retoma nesta quarta-feira (2) o julgamento crucial que versa sobre a descriminalização do porte de pequenas quantidades de drogas destinadas ao consumo pessoal. O processo, que trata de uma questão de relevância social e legal, havia sido originalmente agendado para junho deste ano, mas sua análise foi adiada devido às sessões dedicadas ao julgamento do ex-presidente Fernando Collor.
A discussão acerca da descriminalização do porte de drogas teve início em 2015, contudo, o julgamento foi suspenso por um pedido de vista feito pelo ministro Alexandre de Moraes.
O cerne do caso gira em torno da posse e do porte de substâncias entorpecentes para uso pessoal, consideradas infrações de baixo grau de gravidade de acordo com o Artigo 28 da Lei das Drogas (Lei 11.343/2006). As penalidades associadas incluem advertências sobre os efeitos das drogas, prestação de serviços à comunidade e participação em programas ou cursos educativos sobre o uso de substâncias ilícitas.
Até o momento, três ministros – Luís Roberto Barroso, Edson Fachin e Gilmar Mendes – emitiram seus votos, todos eles favoráveis a algum grau de descriminalização do porte de drogas.
Este processo detém status de repercussão geral reconhecida, o que implica que sua decisão servirá de referência para todo o sistema judiciário brasileiro.
Andamento da votação
O caso em análise é um recurso interposto contra uma decisão da Justiça de São Paulo, que manteve a condenação de um indivíduo flagrado portando 3 gramas de maconha. Este caso é enquadrado pelo Artigo 28 da Lei das Drogas (Lei 13.343/06), que estabelece como crime adquirir, possuir, depositar, transportar ou portar substância ilícita para consumo pessoal.
As penalidades associadas a essa infração são leves e envolvem advertências sobre os efeitos das drogas, realização de serviços comunitários e outras medidas educativas. No entanto, a controvérsia no Supremo gira em torno da questão de se o usuário de fato causa algum dano à sociedade ao consumir tais substâncias, o que justificaria enquadrá-lo como criminoso.
Outro ponto central da discussão é a extensão do poder do Estado em interferir na decisão individual de uma pessoa de consumir substâncias, sejam elas lícitas ou ilícitas, sem violar os princípios de privacidade e intimidade. Os ministros também enfrentarão a questão de se cabe ao Supremo deliberar sobre o tema ou se esta é uma responsabilidade exclusiva do Congresso Nacional.
Descriminalização versus Legalização
O ministro relator do caso no STF, Gilmar Mendes, argumenta que o consumo de drogas não deve ser tratado como crime. Sua posição, proferida oito anos atrás, sustenta que a decisão de usar substâncias é uma questão privada e que qualquer dano resultante recai principalmente sobre a saúde do próprio indivíduo. Ele alega que criminalizar a conduta do usuário leva a estigmatização, prejudicando os esforços de redução de danos e prevenção de riscos preconizados pelas políticas públicas de drogas.
Mendes fundamenta sua decisão em doutrinas alemãs e argumenta que o Supremo deve ajustar a proporcionalidade das normas penais que tratam de danos abstratos, como os supostos danos à saúde pública causados pelo uso de drogas. Ele considera que criminalizar tal conduta seria desproporcional, extrapolando as atribuições do legislador e justificando, portanto, a intervenção do Supremo.
O ministro também destaca a diferença entre a descriminalização do consumo e a legalização de drogas ilícitas. Segundo ele, a legalização envolve um processo legislativo que autoriza e regula o consumo, como ocorreu em países como Uruguai e alguns estados dos EUA.
Perspectivas dos Ministros
Outros ministros também expressaram opiniões favoráveis à descriminalização. Edson Fachin concorda que o uso de drogas faz parte da autodeterminação individual, argumentando que rotulá-lo como crime é moralista e paternalista. No entanto, ele reconhece que a questão é complexa e enfatiza que o caso em análise envolve apenas o porte de maconha, recomendando autocontenção no âmbito do Supremo.
Luís Roberto Barroso segue uma linha similar, votando a favor da descriminalização do consumo de maconha com base nos direitos à intimidade e à vida privada garantidos pela Constituição. Ele enfatiza que o Estado não deve ter o poder de interferir ou sancionar o porte de drogas para uso pessoal.
Barroso também destaca a necessidade de definir uma quantidade específica para distinguir entre consumo e tráfico, visando evitar encarceramentos em massa, especialmente de jovens negros. Ele sugere uma quantidade limite e até mesmo a liberação do cultivo limitado de maconha.
Cenário Internacional
O debate sobre a descriminalização do porte e consumo de drogas não é exclusivo do Brasil. Cerca de 30 países ao redor do mundo adotaram algum grau de permissão nesse sentido, incluindo Portugal, Uruguai, estados dos EUA, Argentina, Colômbia, Polônia, entre outros.
As abordagens variam, com alguns países adotando decisões judiciais para a flexibilização, enquanto outros optam por legislação que legaliza e estabelece regulamentações. A política também difere, com alguns países adotando uma abordagem mais pragmática, priorizando a redução de danos e a prevenção, em vez de criminalização.
Em suma, o julgamento do STF sobre a descriminalização do porte de drogas para consumo pessoal é uma etapa significativa na discussão sobre as políticas de drogas no Brasil, levantando questões complexas sobre privacidade, liberdade individual e responsabilidade do Estado. A decisão final terá implicações de longo alcance para a sociedade brasileira e servirá como orientação para futuras decisões judiciais relacionadas ao tema.
Da redação com Agência Brasil