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De uso máscaras a outras questões, o que idas e vindas na pandemia ensinam sobre a ciência

"Todo dia uma nova que cai no dia seguinte."

"Estudos mostram que tem estudo demais sobre estudos."

"É uma lenga lenga esta história que 'agora presta', 'agora é perigoso', 'agora há dúvidas' e 'agora mata'… até a décima informação sobre a mesma coisa."

"Eu quero dizer agora o oposto do que eu disse antes. Assim está a OMS e essas pesquisas 'científicas' em meio à pandemia."

Foto: ReproduçãoFoto: Reprodução

Esses comentários vieram das rede sociais, como reações de internautas a reportagens sobre tratamentos em estudo, recomendações de autoridades e pesquisas científicas na atual pandemia de coronavírus — mas, vale dizer, ao lado de muitos outros comentários de internautas que acrescentaram informações e opiniões ou que exaltaram o conhecimento científico das novas descobertas.

Pesquisadores, professores e pessoas dedicadas à divulgação científica que conversaram com a reportagem apontaram que a atual pandemia está explicitando desafios para a compreensão do público do que é a ciência e o seu "tempo" e, também, para que os especialistas se comuniquem bem para além de seus muros. E, claro, nesse meio do caminho está a mídia, que também passa por suas críticas e desafios.

A atual pandemia de coronavírus é uma oportunidade em "tempo real" para que estes pontos sejam melhorados, dizem os entrevistados — um esforço, porém, que não é de hoje e nem deve se limitar ao momento crítico pelo qual o mundo passa.

O que explica mudanças de posicionamento da Organização Mundial da Saúde (OMS) ao longo da pandemia, entidade que sempre verbaliza a importância das evidências científicas em suas decisões? Por que, em um dado momento, um remédio parece ser promissor para tratar a covid-19 e, depois, aparece um novo estudo indicando que não é bem assim?

A reportagem debateu com entrevistados episódios polêmicos envolvendo o conhecimento científico nesta pandemia — e também lições que podemos tirar deles.

Pedimos para "especialistas" e educadores apontarem ainda noções científicas que recomendam serem melhor conhecidas por mais pessoas, independentemente de idade, se está estudando no momento ou não, classe social ou…. posição política. Estas noções são apresentadas ao longo da reportagem. 

Ciência não produz dogmas

Células de paciente (em azul) infectadas com partículas do coronavírus (vermelho) em imagem do tipo micrografia eletrônica, divulgada pelo National Institutes of Health dos EUA

Presidente do Instituto Questão de Ciência, dedicado ao uso das evidências científicas nas políticas públicas, a bióloga Natalia Pasternak destaca que mudar faz parte do processo científico, pois ele não é orientado por "dogmas" — no dicionário Aurélio, dogma aparece primeiro como algo associado à religião, mas não só.

Segundo o dicionário, dogma é um "ponto fundamental e indiscutível de doutrina religiosa e, por extensão, de qualquer doutrina ou sistema".

Algo diferente dos princípios científicos, aponta Pasternak.

"A ciência não é dogmática, ela tem um processo contínuo de acúmulo de evidências. Neste momento, trabalhamos com as melhores evidências existentes. Esse processo às vezes passa a impressão de que o cientista não sabe o que está fazendo, que ele muda de ideia. A ciência muda de ideia, sim — tem que mudar, quando está diante das melhores evidências", diz a cientista, doutora em microbiologia pela Universidade de São Paulo (USP).

"Isso às vezes não transmite a segurança que as pessoas gostariam de ter, de uma verdade absoluta."

Entre os médicos, inclusive, há um bordão que reflete essa mutabilidade do conhecimento e, ao mesmo tempo, a impossibilidade de se saber tudo: "na medicina, nem nunca, nem sempre".

Para Jarbas Barbosa, médico brasileiro e diretor-assistente da Organização Pan-Americana de Saúde (Opas), braço regional da OMS nas Américas, mudar diante de melhores evidências científicas é "absolutamente esperado" — ainda mais em uma pandemia como a atual, causada por uma doença nova como é a covid-19.

"Estamos tratando de uma doença nova, completamente diferente de qualquer coisa que a gente viu antes nos últimos 100 anos na saúde pública. Com essa característica de disseminar rápido e produzir muitos casos graves, é a primeira que temos em 100 anos", destaca Barbosa, médico sanitarista e epidemiologista e doutor em saúde coletiva pela Universidade de Campinas (Unicamp).

"Claro que em uma situação como essa, adaptar, mudar recomendações, é absolutamente esperado. O inesperado seria o contrário. Se você pegar o que se dizia em janeiro e o que se diz agora, quem não mudou ou adaptou foi só teoria da conspiração — eles continuam pensando exatamente igual. Mas quem se baseia em ciência viu em seis meses de pandemia coisas absolutamente inovadoras."

O diretor-assistente da Opas menciona como exemplos teorias da conspiração de influência da China na OMS, acusação frequente partindo dos EUA; ou vice-versa. Ele destaca, entretanto, que a estrutura da organização "garante decisões técnicas e proteção à pressão de países em particular" — como a existência de um setor de controle de qualidade das recomendações e estudos produzidos pela entidade; a exigência de declaração de conflito de interesses em reuniões de alto escalão; uma rede com mais de 800 centros colaboradores em todo o mundo, como universidades e secretarias de saúde no Brasil; e a própria assembleia mundial da saúde, com mais de 190 países com votos equivalentes.

"Às vezes vejo comentários como se a OMS fosse uma força de ocupação, que poderia ter entrado na China… Isso é ficção científica. Nenhum país vai abrir mão da sua soberania para nenhum organismo internacional", afirma. "No limite do que é possível, a OMS tem mecanismos de proteção contra influências bem estabelecidos."

Apesar de a entidade afirmar sua independência, isso não foi suficiente para impedir que o presidente Donald Trump anunciasse a retirada dos EUA da OMS, acusando-a de sofrer influência desmedida da China e de ter falhado no combate ao coronavírus. Entretanto, apesar de ter sido formalmente iniciada, a saída dos Estados Unidos da OMS não necessariamente vai se concretizar.

Mudança de recomendação sobre uso generalizado de máscaras

A OMS classificou a crise sanitária causada pelo coronavírus como uma pandemia — disseminação mundial e simultânea de uma nova doença — em março. Desde então, a organização, um organismo multilateral vinculado às Nações Unidas, mudou por exemplo sua posição em relação ao uso generalizado de máscaras contra a covid-19. Até junho, a entidade afirmava não haver evidências científicas suficientes para dizer que pessoas saudáveis deveriam usar o item — que deveria, sim, ser prioridade para pessoas doentes e profissionais de saúde.

Mas, naquele mês, a OMS anunciou que, mediante novas evidências científicas avaliadas por um comitê e a consideração de preferências individuais e fatores sociais, como a dificuldade de realização do distanciamento físico, o uso disseminado de máscaras passou a ser encorajado.

Mesmo assim, o documento que respaldou a novidade é modesto em relação ao uso de máscaras como medida de proteção: "No momento, o uso generalizado de máscaras por pessoas saudáveis em contextos comunitários ainda não é respaldado por evidências científicas diretas ou de alta qualidade, e existem possíveis benefícios e riscos a serem considerados (...)".

Jarbas Barbosa afirma que, em todo esse período, a organização manteve uma posição: a preocupação de apontar que apenas o uso de máscara é insuficiente como medida preventiva.

"Do que sabíamos até o começo do ano, não havia muitas evidências sobre o uso de máscaras — no caso da influenza, as evidências existentes falavam que ela praticamente não tinha muita importância. Agora, já temos evidências de que em determinadas circunstâncias, principalmente em ambientes com aglomeração quase natural, como transporte público e lojas, o uso de máscara pode ter um papel. Então, várias coisas surgiram neste período", lembra Barbosa, que já foi presidente da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) entre 2015 e 2018.

"Mas mesmo hoje, quando a gente faz revisão sobre as máscaras, não encontra evidências fortes para recomendar o uso. Continuamos com a preocupação de que as pessoas achem que só com aquilo estão protegidas. O mau uso de máscara — a pessoa que toca muito, que faz o uso da mesma máscara uma semana seguida — pode ser até um fator agravante. Nas últimas recomendações, a OMS sugere que os países que estão adotando (a orientação) façam estudos para que possamos construir evidências mais robustas."

Como também mostrou a reportagem em junho, uma fala da epidemiologista Maria Van Kerkhove durante coletiva de imprensa da OMS gerou confusão no público e reações de especialistas apontando que a fala foi mal colocada.

Van Kerkhove afirmou que era "muito raro" que pessoas assintomáticas transmitissem a doença, mas depois a organização precisou esclarecer que ela estava se referindo a pessoas realmente assintomáticas — não incluindo pessoas pré-sintomáticas, por exemplo. O posicionamento oficial da organização diz que revisão da literatura científica mostra que os casos assintomáticos poderiam variar entre 6% e 41% dos casos de contaminação — ou seja, ainda há grande incerteza sobre qual a proporção de casos assintomáticos entre os contaminados.

Da Redação com BBC Brasil



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